Como a IA pode ajudar o Brasil a preservar seu patrimônio cultural e histórico

Brasil tem penado para preservar patrimônio histórico e cultural guardado em museus. Para especialistas, problema não é só questão de dinheiro, mas também de despreparo para adoção de novas tecnologias.”Muitos museus pegaram fogo no Brasil nos últimos 15 anos, em sua maioria museus ligados à esfera pública. Certamente a falta de recursos, como comprovada no caso do Museu Nacional, colaborou para o que aconteceu. Mas é preciso destacar também a dificuldade, e a necessidade urgente, de adequação dos prédios históricos que abrigam os museus a tecnologias que garantam sua segurança física”, afirma Thainá Castro Costa, professora de Museologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Cientes desses problemas, cientistas brasileiros têm trabalhado em soluções modernas de Inteligência Artificial (IA) para ajudar gestores de museus a preservar e acessar esse patrimônio histórico e cultural brasileiro.

Perdas marcam gestão recente dos museus nacionais

Os museus brasileiros passaram por grandes tragédias em anos recentes, com a destruição de parte de seus acervos.

Em 2015, um incêndio de grandes proporções atingiu o complexo da Estação da Luz, espaço inaugurado no século 19 e que abrigava o Museu da Língua Portuguesa.

Já em 2018, o Paço de São Cristóvão, que abrigava grande parte do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi igualmente consumido pelas chamas. Considerado a maior tragédia do setor no país, o fogo acabou com documentos, livros e coleções alocados no prédio, além de peças de plumária, tecido e madeira dos povos originários brasileiros.

Neste ano, com as enchentes no Rio Grande do Sul, a lista de tragédias para o patrimônio histórico e cultural brasileiro ficou mais longa. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul, que fica próximo ao rio Guaíba, foi inundado e perdeu cerca de 70% do acervo.

Coordenador-geral de sistemas de informação museal no Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Dalton Lopes Martins assegura que o poder público vem tomando medidas para evitar novas perdas para o patrimônio histórico brasileiro.

Segundo ele, o Brasil dispõe agora de uma política de fiscalização em museus – o órgão contabiliza cerca de 4 mil. “E o Ibram tem feito ações em cima dessa política para que possa ser feita uma fiscalização que seja pedagógica, orientativa, e que possa apresentar para os museus aquilo que precisa ser feito para que se evite outros acontecimentos catastróficos, como foi o do Museu Nacional no ano de 2018”, conta.

Martins, no entanto, reconhece os desafios dos gestores na administração dos museus brasileiros e na adoção de novas tecnologias que os auxiliem na preservação histórica.

“Há os desafios estruturais de a gente ter reservas técnicas, laboratórios de conservação, restauro, preservação – que são, muitas vezes, desafios complexos tanto do ponto de vista logístico quanto do ponto de vista financeiro”, admite.

A isso, some-se uma rotina de cortes de verbas ao setor. O orçamento planejado para o Ibram para o ano de 2025, que era de R$ 106 milhões, foi reduzido para cerca de R$ 79 milhões após cortes do governo federal.

Em nota conjunta assinada por Ibram e Ministério da Cultura, o Ibram informou ter atuado junto à pasta pela recomposição e incremento do orçamento, “sempre com a preocupação de manter os postos de trabalho e nossos museus abertos, com o mínimo impacto da prestação de nossos serviços à sociedade e cumprimento de nossa função social”.

IA pode ajudar museus em cenário de falta de dinheiro

Para ajudar na preservação do acervo em museus brasileiros, uma pesquisa de doutorado conduzida junto à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp trabalha em um método para a catalogação digital, automatizada e precisa de objetos com o auxílio da IA.

A mente por trás da iniciativa, Vagner Inacio de Oliveira, diz que os museus brasileiros hoje contam com sistemas precários de catalogação. O resultado, segundo ele, é que a tarefa acaba demandando mais tempo dos profissionais, além de aumentar a suscetibilidade a erros humanos no processo, tornando o trabalho mais custoso em um setor que já sofre com restrições orçamentárias.

“Um museólogo consegue catalogar, em média, apenas sete itens por dia, levando em conta o processo completo de curadoria e digitalização”, diz. “Apesar desses desafios, é importante ressaltar a dedicação e o compromisso dos especialistas que se esforçam para superar essas barreiras e garantir a preservação dos bens culturais para as gerações futuras.”

Oliveira defende que a IA pode ser uma aliada poderosa dos museus, oferecendo sistemas de catalogação automatizados, precisos e que ajudem a reduzir custos operacionais. “Através de descrições geradas automaticamente, acelera o processo e minimiza erros, permitindo que os museólogos dediquem seu tempo a atividades mais especializadas e estratégicas”, diz.

Para que os museus possam contar com a tecnologia, no entanto, será necessário ainda um tempo de investimento no desenvolvimento e distribuição dessa ferramenta. O pesquisador diz querer disponibilizar um aplicativo para todos os interessados até o final deste ano.

A segunda etapa do projeto, que consistirá em aprimorar a IA para que ela seja capaz de detectar como, quando, e em quais possíveis épocas um objeto foi utilizado, deverá levar mais alguns anos para ser concluída.

Mas apesar dos esforços de Oliveira, ele aposta que a burocracia estatal ainda deva atrasar a chegada da IA aos museus em alguns anos.

“A implementação dessa tecnologia depende diretamente de investimentos contínuos em pesquisa e infraestrutura, tanto nos museus quanto nas universidades responsáveis pelo desenvolvimento das soluções. Embora os investimentos tenham aumentado nos últimos anos, impulsionados em parte pelas recentes perdas de patrimônio cultural, ainda há muito a ser feito para viabilizar plenamente essas tecnologias”, afirma.

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