Analistas alertam para pressões inflacionárias e preveem novo estouro da meta em 2025

Depois de a inflação no Brasil ter sido pressionada principalmente por alimentos e gasolina no ano passado, analistas alertam que diversos fundamentos econômicos e a depreciação cambial apontam para uma aceleração da alta dos preços no curto prazo e perspectiva de novo estouro da meta em 2025.

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Os efeitos da recente desvalorização do real surgem como um dos principais pontos de preocupação neste início de ano depois da disparada do dólar no final de 2024, quando a moeda acumulou alta de 27,36%, maior oscilação desde 2020.

“O resultado de dezembro (do IPCA) reforça a piora da dinâmica inflacionária dos últimos meses, reflexo da deterioração cambial e da economia aquecida. Entretanto, o resultado não altera a perspectiva da política monetária, que já tem contratado mais duas altas de 100 pontos-base até março”, destacou André Valério, economista sênior do Inter.

Em 2024, a inflação subiu 4,83%, voltando a estourar o objetivo, depois de o IPCA ter avançado 0,52% em dezembro.

A pressão sobre os preços de um mercado de trabalho aquecido e renda em alta, presentes em todo o ano passado, devem seguir em 2025, com as primeiras projeções apontando novo estouro da meta.

“Os fundamentos econômicos ainda apontam para uma aceleração dessa inflação no curto prazo, ao longo dos próximos trimestres. A gente vê uma demanda doméstica ainda bastante firme e também a depreciação cambial recente deve fazer efeito para essa aceleração do IPCA, junto com as expectativas em alta”, avaliou Alexandre Maluf, economista da XP.

Suas projeções são de uma alta acumulada do IPCA em 2025 de 6,1%, o que deixaria o resultado novamente acima do teto da meta — 3,0% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

O Banco Central intensificou o ritmo de aperto nos juros no final do ano passado ao elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 12,25% ao ano, prevendo mais duas altas da mesma magnitude à frente.

Gabriel Galípolo comanda sua primeira reunião de política monetária como presidente do BC em 28 e 29 de janeiro com as expectativas ainda desancoradas.

Igor Cadilhac, economista do PicPay, também vê novo estouro neste ano, com a inflação a 5,2%, citando “maior resiliência na inflação de serviços em função de um hiato do produto mais apertado, desancoragem das expectativas em um contexto de percepção de risco fiscal e desvalorização da moeda”.

A inflação de serviços foi fonte de preocupação ao longo de 2024, acumulando alta de 4,78% após avanço de 0,66% em dezembro.

“Figura de hoje do IPCA reforça essa mensagem de que é um cenário de aceleração de serviços. Teremos reajustes sazonais muito fortes, como educação que chegará em fevereiro, e outros. Além do momento de repasse de custos num ambiente de atividade bastante aquecida e expectativas bastante desancoradas”, disse Lucas Barbosa, economista da AZ Quest.

Calculando também inflação acima da meta para o ano de 2025, a 5,3%, Barbosa prevê que as próximas leituras devem confirmar uma série de repasses de custos ainda dentro de alimentação.

“Café e açúcar seguem bastante pressionados, e temos observados que os hortifrútis … já na leitura de janeiro não devem contribuir com deflações mais”, disse ele.

“O que observamos é uma alta nos preços do atacado que chegará ao consumidor final já na leitura de janeiro (do IPCA), então é mais um vetor de pressão para alimentação, ao passo que as carnes em alguma medida tenham arrefecido”, completou.

Campos Neto foi presidente que mais descumpriu meta

Os dados de inflação divulgados na manhã desta sexta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que Campos Neto foi o presidente do BC que mais descumpriu a meta na história do regime.

Desde o início da gestão dele, em 2019, o IPCA superou a meta três vezes: em 2021, quando escalou até 10,06%, a terceira maior taxa do Plano Real; em 2022, quando ficou em 5,79%; e, agora, em 2024.

Entre os quatro predecessores de Campos Neto que trabalharam sob o regime de metas, Arminio Fraga (1999-2002) perdeu o alvo duas vezes. Henrique Meirelles (2003-2010), Alexandre Tombini (2011-2016) e Ilan Goldfajn (2016-2019), uma vez cada.

Descumprimento já era aguardado

O descumprimento da meta de inflação de 2024 era amplamente esperado pelo mercado financeiro e pelo próprio BC. Desde outubro, a mediana do relatório Focus indicava que o IPCA do ano passado superaria os 4,50%. Na edição da última segunda-feira, 6, indicava inflação de 4,89%. A autoridade monetária previa um IPCA de 4,9% e considerava haver 100% de chance de estouro do teto no ano passado, conforme o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI).

Esta é a última vez que o cumprimento do alvo de inflação foi feito de acordo com o regime original de metas, adotado no Brasil em 1999. Esse sistema considerava o IPCA acumulado no ano-calendário. Se a inflação ficasse acima ou abaixo do intervalo de tolerância, o presidente do BC deveria escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda para explicar as razões do descumprimento, as providências para garantir a convergência e o prazo para que isso acontecesse.

A partir deste ano, passa a valer um novo sistema de meta contínua, com centro de 3%, apurada com base na inflação acumulada em 12 meses. Se ela ficar acima ou abaixo do intervalo de tolerância (1,5% a 4,5%) por seis meses consecutivos, considera-se que o alvo foi perdido. Nesse caso, também caberá ao BC divulgar as razões para o descumprimento, as providências e o prazo para a convergência, também por meio de carta aberta.

Nas duas últimas vezes que o BC descumpriu a meta de inflação, a carta aberta do presidente da autarquia ao ministro da Fazenda foi publicada no mesmo dia da divulgação do IPCA de dezembro. O Broadcast consultou a autarquia para saber quando o documento seria tornado público este ano, mas não obteve resposta.

Credibilidade

Economistas ouvidos pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) consideram que o descumprimento do alvo em 2024 tem poucos impactos para a credibilidade do BC ou do regime de metas.

O IPCA do ano passado sofreu efeitos de eventos climáticos extremos, valorização de mais de 27% do dólar ante o real e robustez da atividade econômica.

“O BC reagiu a esse desafio, interrompeu um processo de corte de juros e passou a elevar a Selic. Não havia muito o que fazer. A inflação ficou acima da meta em parte por causa desses choques, e o BC tem de atuar para evitar efeitos secundários, o que ele está fazendo agora”, diz o estrategista-chefe e sócio da EPS Investimentos, Luciano Rostagno.

A autoridade monetária iniciou o ano no meio de um ciclo de corte de juros e chegou a reduzir a Selic a 10,50% em maio. Depois, voltou a elevar a taxa básica, que chegou a 12,25% em dezembro. Diante do aumento das expectativas de inflação, o BC indicou dois aumentos de 1 ponto porcentual este ano, que levariam os juros a 14,25% até março.

Para Rostagno, a postura do BC ao longo deste ano vai determinar ganho ou perda de credibilidade. Como mostrou o Broadcast, o mercado já espera que a nova meta contínua seja descumprida em julho deste ano, com uma sequência de seis meses do IPCA acumulado em 12 meses acima de 4,50%. Com as expectativas de inflação para os próximos anos desancoradas, a autoridade monetária terá de reforçar seu compromisso com a convergência, diz o analista.

A economista-chefe para o Brasil da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, considera que o comportamento das expectativas de inflação será o principal termômetro da credibilidade este ano. As medianas do relatório Focus para o IPCA de 2025, 2026 e 2027 têm subido continuamente, distanciando-se do centro da meta perseguida pelo BC, apesar da sinalização de uma política monetária mais dura.

Ela lembra que, a partir de agora, o BC terá de publicar trimestralmente, no novo Relatório de Política Monetária, uma avaliação sobre o processo de convergência. Se as projeções de inflação da autarquia para o seu horizonte relevante continuarem subindo, isso pode trazer impactos para a credibilidade, destaca a economista.

“Se vier o relatório do primeiro trimestre e ficar mais distante da meta do que em dezembro, e chegar o segundo trimestre e você tiver uma revisão constante da inflação para cima… é com base na revisão da expectativa, seja do mercado, seja do modelo do BC, nesse intervalo relevante, que podemos falar de um ganho ou perda de credibilidade”, diz Pinheiro.

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