O nó das estatais: por que algumas dão prejuízo e outras geram lucro?

Na frente de batalha que o governo trava para o controle dos gastos públicos, não há como ignorar o resultado das estatais, no momento em que dados do Banco Central apontam para um déficit recorde em 2024. Por isso mesmo, o tema tem merecido uma atenção redobrada do governo desde novembro, de reuniões do presidente Lula com seus ministros a estudos de medidas no Ministério da Gestão e Inovação, que levem as empresas públicas a maior eficiência, até a publicação de três decretos com o objetivo de aprimorar a governança e modernização das estatais federais. Enquanto algumas são saudáveis e até repassam parte de seus lucros ao governo, em forma de dividendos, outras precisam de recursos do Tesouro para continuarem existindo e operando. Atualmente, 17 empresas estão nessa lista de dependentes e deficitárias, entre elas Telebras, Conab, Codevasf e Embrapa.

+Muitas vezes há visão completamente errada sobre resultado das empresas estatais, diz ministra

De janeiro a novembro do ano passado, pela contabilidade do BC, o déficit acumulado por todas as estatais estava em R$ 9,108 bilhões.

● As federais respondem pela maior parte, de R$ 6,041 bilhões,
● As estaduais e municipais, pelo restante.
● É o maior saldo negativo desde que o banco iniciou a série histórica, em 2002.
● Antes de jogar tudo no mesmo balaio, é preciso destacar que nem sempre uma empresa que apresenta déficit, pelos critérios do Banco, terá prejuízo.

Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, afirmou que das 13 estatais federais que registram déficit em 2024, apenas três devem fechar no vermelho: Correios (R$ 2,14 bilhões), Infraero (R$ 214,55 milhões) e Codern (R$ 12,57 milhões). As demais terão lucro.

O caso mais emblemático é o da Emgepron, voltada à construção naval, que deve fechar o ano com o maior déficit entre as estatais, em torno de R$ 2,5 bilhões, porque fez investimentos na construção de navios para a Marinha. Essa empresa recebeu do Tesouro Nacional R$ 10,2 bilhões entre 2018 e 2019, aporte que ajudou a compor o superávit das estatais naqueles períodos.

Na contabilidade do Banco Central esses recursos são lançados apenas como saída, sem ter a contrapartida das receitas, que entraram em exercícios anteriores e estavam em caixa, o que resulta em déficit. É uma questão de contabilidade.

Enquanto o BC usa o critério de competência ou o chamado “abaixo da linha”, em que o maior peso é o da evolução da dívida, as estatais usam o regime de caixa, considerando tudo o que entra e sai de recursos, receitas e as despesas. Pelos útimos dados do Sistema de Informações das Estatais (Siest), a Emgepron deve fechar o ano com um lucro pouco acima de R$ 97 milhões, pelo regime de caixa.

Cláudio Felisoni de Angelo, professor da FIA Business School, argumenta que “só dizer que esse déficit é resultado de investimentos parece um eufemismo. Precisaríamos examinar essas rubricas, verificar até que ponto estão em sintonia com os objetivos destas organizações e não atendendo propósitos específicos de diretorias destas organizações”.

Há que se discutir, ainda, até que ponto os investimentos atendem as reais necessidades do País, aponta Leme. “Existe essa tendência dentro dos governos do PT de tentar forçar o renascimento de uma indústria naval, que é incipiente, que toma muito mais insumos do que aquilo que entrega. Ela não existe hoje como um grande driver da economia. Esses investimentos podem não ser úteis e produtivos ao País.” O mesmo raciocínio pode ser aplicado à Alada, estatal criada na virada do ano com o objetivo de alcançar a autossuficiência do País em materiais espaciais, bélicos e aeronáuticos.

Mas nem todos os resultados podem ser atribuídos a investimentos. O segundo maior déficit é o dos Correios, de R$ 2,19 bilhões, pelos cálculos do BC. Pelas informações parciais do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a companhia deve apresentar um prejuízo muito perto disso, de R$ 2,13 bilhões. Em 2023, a empresa já fechou no negativo, de R$ 597 milhões.

É uma empresa que, na visão de especialistas, vem sendo descapitalizada pela distribuição de dividendos elevados e altas provisões para benefícios pagos aos funcionários desligados, além de contabilizar queda de suas receitas. Para estacar a sangria, em outubro, os Correios fixaram um limite de gastos para 2024 e adotaram medidas duras como suspender a contratação de pessoal, encerrar ou reduzir valores de contrato. O movimento foi necessário para evitar a quebra da empresa e o consequente socorro do Tesouro, justificou a companhia à época.

Correios estão com prejuízo acumulado de R$ 2 bilhões até setembro, crescimento de 143% em relação ao ano anterior (Crédito:Robson Mafra)

Na tentativa de melhorar o desempenho e dar outro rumo ao destino das deficitárias, um novo marco regulatório foi estabelecido pelo governo para as empresas públicas e sociedades de economia mista federais, com a edição de três decretos.

Para a especialista Renila Bragagnoli, da Consultor Jurídico, a nova legislação veio para reforçar a eficiência e a aderência às melhores práticas de gestão dessas empresas. “A governança pública e corporativa nas empresas estatais federais entrou em uma nova era com os decretos, que trouxeram diretrizes, sistemas e programas que prometem revolucionar as estatais brasileiras.”

Na opinião do economista e analista da Tendências Consultoria João Leme, estava na hora mesmo de uma discussão definitiva sobre até quando empresas do governo mal administradas, ineficientes e com prejuízos recorrentes terão de ser bancadas pelos cofres públicos, pelo dinheiro do contribuinte.

Eduardo Menicucci, professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC), afirma que o principal problema passa pela gestão: “É preciso identificar as empresas públicas que estão deficitárias, saber por que estão deficitárias e transformá-las em superavitárias. Isso sim é gestão”. Devido à complexidade de administrar uma estatal, o professor já considera um avanço se essas empresas alcançarem o equilíbrio entre suas receitas e despesas, o que está previsto na Constituição.

Mas é evidente que o ideal seria “tentar gerir as empresas públicas como uma empresa de verdade, que tenha que auferir um resultado positivo”. Ele lembra que no setor privado as empresas com rombos recorrentes terão de pedir Recuperação Judicial ou ter a falência decretada, o que não acontece com a empresa pública que não fecha e fica dando prejuízo.

O banco é uma autarquia, mas seus resultados entram nas contas do governo federal, assim como os da Previdência, além do Tesouro Nacional (Crédito:Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Uma empresa do Estado poderia, ou não, ser tão ou mais eficiente do que uma empresa do setor privado, diz Felisoni, da FIA. O problema é que os incentivos não estão alinhados com os objetivos da empresa. “As indicações e a ocupação das diferentes diretorias são políticas, todos respondem aos chefes políticos e têm compromissos financeiros com os partidos que os colocaram naquelas condições.”

Ele ressalta que essas empresas já nascem com um grave problema, a falta de unidade de comando. Sem isso, o processo decisório é difuso. “É como ter um avião com vários pilotos.”

A Emgpron fez investimentos de R$ 1 bilhão até julho para a construção de quatro navios. Foram usados recursos que entraram em exercícios anteriores, por isso aparecem como déficit no balanço de 2024 (Crédito: Divulgação)

Em termos financeiros, uma das principais razões que levam as estatais a resultados negativos pode estar ligada a despesas com pessoal, aponta o professor da FDC. Ele explica que nessa área estão os principais custos, porque a maior parte compreende empresas mais antigas. Elas contam com funcionários públicos que não podem ser demitidos. Mas não são apenas os números que devem ser analisados de forma isolada. A natureza e a atividade de uma estatal precisam igualmente ser repensadas.

Outras causas

Leme, analista da Tendências, destaca que uma parte do déficit vem das estatais estaduais, e reflete reestruturação de dívida. Mas isso dentro de um processo que está sendo feito por meio da emissão de debêntures, um título de crédito, usado para levantar recursos no mercado. “Em princípio, não é ruim, porque a emissão está sendo validada por agências de rating, e é só uma captação. Nesse momento, entra como receita, depois vira uma despesa financeira e não vai influenciar no cálculo do déficit primário. Não é um problema.”

Até agosto, as estatais acumulavam déficit de R$ 7,21 bilhões, e a maior parte, R$ 3,85 bilhões, refere-se às empresas públicas estaduais. Os R$ 3,37 restantes são de estatais sob o comando do governo federal, mas nem todas dependem de recursos da união.

Como exemplo, Leme cita a Sanepar, empresa de saneamento do Paraná, que emitiu debêntures validadas pela Moody’s, que é uma das maiores agências de avaliação de risco e rating do mundo. Esses títulos receberam a melhor classificação (AAA), sinalizando que são títulos consistentes e que há garantia no investimento. Para ele, essa reestruturação é positiva, seria complicado se essas empresas estivessem apresentando déficit por conta de custos, pagamento de pessoal, por exemplo, sem conseguir cobrir as despesas com suas próprias receitas.

O banco de fomento repassou R$ 25 bilhões em dividendos ao Tesouro Nacional (Crédito: Luiz Souza)

Mas o governo comunica muito mal, não esclarece a condição atualizada de cada empresa, não há a transparência devida, argumentam os analistas. No caso das estatais federais, o desempenho podia ser acompanhado por boletins trimestrais, o que agora acontece somente a cada ano.

Não apenas isso, mas também a tentativa de tirar o repasse de recursos às estatais do Orçamento e, portanto, dos limites do Arcabouço Fiscal trazem prejuízos à economia do País. São atitudes que abrem espaço para especulações de todo tipo, especialmente por se tratar de movimentação de recursos.

“Os agentes de mercado, e as pessoas em geral, ficam mais céticos em relação ao governo, agem no presente esperando que as contas públicas piorem no futuro. Isso atrapalha a trajetória das variáveis fiscais, tem impacto na curva de juros, no câmbio, na inflação, no risco-país e no custo da dívida, que passa a ser mais alto”, explica Leme. No momento em que perdem a credibilidade, as autoridades econômicas podem fazer tudo o que for necessário, mas não vão conseguir evitar o pior.

R$ 184 milhões é o déficit potencial que a Eletrobras poderá apresentar em 2025 depois de manobras contábeis.

Com lucro

Ao mesmo tempo, o analista da Tendências ressalta que existem estatais que não dependem do governo, são lucrativas e não estão no orçamento do Banco Central, como é o caso da Petrobras, Caixa, o Banco do Nordeste e o da Amazônia. Essas organizações, totalmente estatais ou de economia mista, em que a União tem participação, não entram no orçamento. Se entrassem, provavelmente os números seriam positivos, com um superávit. Sob o guarda-chuva do governo federal há 123 empresas.

A União controla diretamente 44 delas e, de forma indireta, mais 79, que são subsidiárias das de controle direto. Juntas, em 2023, todas geraram um lucro de R$ 197,9 bilhões, de acordo com dados do portal do Ministério de Gestão e Inovação.

O BNDES, por exemplo, está repassando ao Tesouro Nacional R$ 25 bilhões em dividendos, segundo o presidente do Banco, Aloizio Mercadante, ao apresentar os resultados do balanço.

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