O último abraço

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“O clima era de total aconchego e alegria. Tínhamos a certeza de que, a cada fim de ano, estaríamos juntos novamente” (Foto: Reprodução)

Quando eu era criança, as passagens de ano da minha família sempre aconteciam na casa da minha avó materna. Naquele dia, os primos se reuniam, os tios, inclusive os solteiros, estavam todos presentes, e parentes de outros estados chegavam para completar a festa. Minha mãe ajudava na preparação da ceia, enquanto minha avó orquestrava tudo. Era possível sentir o cheiro que exalava da cozinha, prato após prato. As melhores louças saíam da cristaleira, compondo uma mesa impecável.

No toca-discos, sempre tocava algum sucesso internacional da novela do momento. Foi ali que aprendi a gostar de música para adultos. Até hoje, quando ouço esses hits do passado, sinto-me transportado para aqueles dias de felicidade da infância. Não havia polaridades. Na verdade, essa palavra nem fazia parte do meu repertório. Todos se davam bem, e as pequenas rusgas se resolviam na base da camaradagem, sem deixar grandes marcas.

O clima era de total aconchego e alegria. Tínhamos a certeza de que, a cada fim de ano, estaríamos juntos novamente. Naquela época, não conhecíamos a ausência. Nenhum tio ou tia havia partido para longe, e a morte era algo que não havia nos alcançado. Só enxergávamos a vida, inteira e promissora, à nossa frente.

Mas houve uma primeira vez. O primeiro Réveillon sem minha avó. O primo que decidiu passar a noite com a namorada. A tia que, desta vez, optou por organizar sua própria ceia. O parente de outro estado que, desempregado, não conseguiu viajar por falta de grana. As primeiras vezes foram se repetindo ano após anos, até que elas deixaram de existir. Não havia mais a primeira vez, porque já não havia mais aquela antiga unidade familiar. Com o passar dos anos, fomos nos despedaçando, e a mesa ficando mais vazia.

Agora, cada passagem de ano é vivida aos pedaços. Um pequeno grupo se reúne na casa de um tio. Outro, na casa de uma prima. Não há mais telefonemas ou cartões. Quando muito, uma mensagem fria e protocolar surge no grupo de aplicativo. E é assim que vamos dando conta de que as coisas não serão como antes. As mudanças que ocorrem com o passar do tempo são inevitáveis. Algumas acontecem para o bem, outras nem tanto. 

Uma vez me disseram que o maior desafio de uma família é se manter unida. Que devemos aproveitar todos os momentos juntos, criando memórias e reforçando laços, porque só assim teremos condições de superar as perdas futuras. Hoje, vejo o quanto isso é verdade, porque nunca sabemos quando será a última vez. A última ceia compartilhada. O último brinde. O último abraço.

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