Fogo recorde no Pantanal foi agravado por mudanças climáticas, mostra estudo

Levantamento inédito da WWA mostra que altas temperaturas, seca e vento forte que impulsionaram os incêndios devastadores foram intensificados em 40% devido à ação do homem.Os incêndios que atingiram o Pantanal severamente em junho foram agravados pelas mudanças climáticas, mostra um estudo divulgado nesta quinta-feira (08/08) pela World Weather Attribution (WWA), uma rede internacional de cientistas de clima que tenta entender a influência das mudanças climáticas nos eventos extremos pelo mundo logo após a sua ocorrência.

Naquele mês, o fenômeno anunciou o início precoce da temporada de fogo e queimou mais de 4,4 mil quilômetros quadrados, um aumento de mais de 5.000% em relação à média para o período, que era de 83 quilômetros quadrados.

Historicamente, a época crítica se inicia em agosto, mas junho passado registrou um recorde excepcional. O evento extremo tem sido alimentado, cada vez mais, pela alta concentração de gases de efeito estufa na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis.

No Pantanal, as condições “perfeitas” para os incêndios vistos naquele mês foram intensificadas em 40% devido às mudanças climáticas. O aumento da temperatura, a seca e os ventos fortes que deixam o bioma mais inflamável, um fenômeno relativamente raro para o período, agora têm chances de ocorrer até cinco vezes mais.

A previsão para os próximos meses é preocupante. Na primeira semana de agosto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 12 mil focos ativos de fogo, o equivalente ao total de junho passado. Até o momento, calcula-se que 12 mil quilômetros quadrados tenham sido queimados em 2024 no Pantanal brasileiro.

“As condições meteorológicas adversas com altas temperaturas, baixa umidade e ventos fortes contribuem significativamente para a rápida propagação das chamas. Considerando as condições para os próximos meses, é possível que os incêndios de 2024 possam ser ainda mais severos que os de 2020”, afirma Filippe Lemos Maia Santos, pesquisador do Instituto de Ciências da Terra da Universidade de Évora, Portugal, e do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em 2020, os grandes incêndios no bioma consumiram 43% de locais nunca antes queimados. Um estudo publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, estimou a morte de 17 mil animais vertebrados em decorrência da catástrofe.

Como o cálculo é feito

Para entender como os incêndios recordes de junho foram influenciados pelas mudanças climáticas, os pesquisadores analisaram dados como temperatura máxima, umidade relativa, velocidade do vento e dados de volume de chuva. Essas informações compõem um índice chamado de Daily Severity Rating (DSR), que reflete a dificuldade de controlar o fogo. Estima-se que 99% dos casos sejam iniciados por ações humanas, como queima de pasto.

Em junho de 2024, a maioria dessas variáveis ​​quebrou recordes: foi o período mais seco, mais quente e com mais ventos desde que as observações começaram há 50 anos, mostra o levantamento do WWA.

O estudo também analisou como as mudanças climáticas modificam a probabilidade e a intensidade dessas principais variáveis. Os dados indicam uma forte tendência de seca e temperaturas cada vez mais altas acompanhadas de queda da umidade relativa. Para os pesquisadores, o aumento das temperaturas e a redução das chuvas ajudam a explicar a elevação do índice DSR, ou seja, do fogo incontrolável.

Desmatamento agrava a situação

Segundo os cientistas, as condições criadas pelo clima são decisivas para os incêndios florestais. Desmatamento e outros usos do solo também têm um papel importante e aumentam o risco do fogo. Especialmente no Pantanal, o modo como a terra tem sido usada, com corte da vegetação natural para expansão de pastos ou plantações, tem deixado o bioma mais seco e mais inflamável.

Com base em modelos e dados estatísticos, o estudo mostrou que, mesmo com o aumento médio de 1,2 °C da temperatura global já registrada em relação aos níveis pré-industriais, as condições propícias para o fogo visto no Pantanal em junho passado têm chances de ocorrer uma vez a cada 35 anos. Se o termômetro não tivesse subido tanto nas últimas décadas por conta das atividades humanas no planeta, o evento extremo seria mais raro.

Se a Terra continuar aquecendo no ritmo observado e chegar a um aumento de 2 °C em relação à era pré-industrial, os incêndios intensos podem se tornar duas vezes mais frequentes, com previsão de ocorrer, em média, uma vez a cada 17 anos. Nesse caso, a intensidade do evento extremo aumentaria cerca de 17%.

Impacto nas vidas

A temporada de fogo começou com menos águas nos rios do Pantanal, que não alagou como o esperado no período chuvoso. O monitoramento feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta que, de todo o volume de chuva esperado, 60% se confirmou.

Ao longo do tempo, a região tem registrado um aumento de 0,76 °C por década, o que levou ao um aquecimento de cerca de 3 °C desde 1980. Consequentemente, ondas de calor têm atingido o Pantanal com mais frequência e por maior tempo, o que ajuda a propagar o fogo.

Com 170 mil quilômetros quadrados de extensão espalhados por Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai, o bioma abriga cerca de 3 milhões de pessoas só em território nacional, nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Um estudo recente do Mapbiomas mostrou que, desde 1985, o Pantanal perdeu 61% de água, o que compromete o futuro da maior planície alagável do planeta.

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