‘Não Inviabilize’: a podcaster que faz de casos reais um negócio e decidiu dar casas a equipe

Oi, gente! Cheguei! Cheguei pra mais um Picolé de Limão…” é como Déia Freitas faz sua tradicional apresentação de um dos quadros do seu podcast de histórias Não Inviabilize. O podcast pertence ao Conglomerado Ponei, um nome fantasia criado por acaso em meio a uma brincadeira para achar um nome ou palavra para substituir marcas e empresas citadas nas histórias – e evitar qualquer imbróglio jurídico.

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O podcast reúne 10 quadros, cada com seu perfil (ver abaixo), sendo o principal deles o Picolé de Limão, ‘o refresco ácido do seu dia’, como diz a descrição para definir que o ouvinte vai encontrar ali histórias inusitadas, engraçadas, ou até que nos despertam fúria e indignação, histórias de momentos da vida de “gente como a gente”.

O quadro também abriga especiais como histórias de férias, Natal, Ano Novo, festa da firma, viagem e até um especial sobre pessoas que mudaram de vida por conta de políticas públicas dos governos petistas. Mas uma das principais histórias dessa microempresa aconteceu internamente.

No final do mês passado, a criadora do Conglomerado Ponei, Déia Freitas, ganhou as manchetes ao anunciar que estava doando R$ 230 mil para cada uma das cinco pessoas da equipe para a compra de um imóvel.

‘CLT comunista’

A história dos imóveis presentados aos funcionários viralizou como “CLT Premium”, mas a gestão do Conglomerado Ponei se baseia em princípios mais ligados à teoria marxista, na mais clássica linha “se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence”.

Ao site IstoÉ Dinheiro, Déia conta a doação dos imóveis era um plano e segue seus princípios e visão de mundo.

“É o jeito que eu penso. Quem mantém a empresa é a força de trabalho. É uma forma de retribuir e dividir o que conquistamos”, diz.

Seria uma tentativa de mostrar que é possível uma sociedade mais igualitária? Déia acredita que, em parte, sim, mas reconhece que não é tão simples replicar o esquema em outros modelos de negócio. “Não sei se é possível todo mundo fazer igual. Na minha área os ganhos são diferentes. Não dá para comparar com o empreendedor que abriu uma lanchonete, é mais difícil.”

Os imóveis se somam a outras iniciativas da empresa que foram feitas para dividir os lucros. A equipe faz uma viagem internacional por ano custeada pelo Ponei. Este ano foram para Punta Cana, destino turístico na República Dominicana. Em 2023 o tour foi na Europa, com o grupo viajando pela Espanha, França e Inglaterra.

Déia Freitas, o gato Coentro Nenê e a equipe do podcast Não Inviabilize (Credito:Divulgação)

A primeira viagem, em 2022, teve que ser cancelada, já que foi comprada pela Hurb, que não entregou o pacote, e o caso segue na Justiça.

Para 2025 o destino já está definido. Nova York, nos Estados Unidos. Por enquanto, a empresa está custeado o visto norte-americano para todos.

A equipe toda é contratada sob o regime CLT com “salário horizontal”, como ela diz, de R$ 10 mil cada. Também têm plano de saúde, e trabalham no modelo de semana de 4 dias. “Ninguém trabalha às sexta-feiras”, prega, apesar de ter aberto uma exceção para esta entrevista, feita em uma sexta. E, principalmente, ela reforça: “Pago muito imposto, e em dia”.

“Vamos de história”

E, parodiando mais um bordão Não Inviabilize, “hoje eu vou contar a história da” Déia Freitas. A podcaster tem 47 anos, mora em Santo André (SP), e é formada em Psicologia. Começou a trabalhar aos 15 anos como redatora publicitária; passou ainda por uma ONG e foi gerente de loja de calçados.

O hoje conglomerado, assim como outros tantos negócios que conhecemos, surgiu despretensiosamente de um hobby no então Twitter, onde ela começou a postar algumas histórias enquanto trabalhava como cat sitter (cuidadora de gatos) na época.

Uma amiga que já atuava com podcasts a incentivou a sair do texto e migrar para o áudio. Primeiro, foram áudios postados em um grupo no Telegram, para só depois ela começar a publicar também nas plataformas de streaming, às vésperas da pandemia de Covid-19.

“Sempre tive bom engajamento no Twitter e levamos isso para o áudio. Quando abri o canal no Telegram, no primeiro dia, em 10 minutos, tinha 3 mil pessoas. Hoje são 80 mil.”

E na linha “Microsoft que nasceu em uma garagem”, o podcast foi forçadamente criado como negócio na sala da casa da Déia, onde, inicialmente, usava uma caixa de papelão para ajudar na acústica.

“Eu tenho seis gatos, imagina como foi ter que lidar com eles e a caixa. Quem tem gatos sabe o tanto que eles gostam de ficar dentro das caixas de papelão”, ri.

A pandemia que ajudou a impulsionar o mercado de podcast, impactou também na audiência do Não Inviabilize.

“Desde a terceira semana de lançamento do podcast estamos entre os 20 mais ouvidos e, por muitas vezes, entre os 10 mais.”

Hoje, ela diz que o faturamento mensal está no patamar dos R$ 200 mil, sendo em torno de R$ 100 mil de lucro. O podcast tem uma parte da renda vinda de assinaturas. Os mais de 35 mil assinantes têm acesso às histórias com prioridade e a alguns quadros exclusivos.

Mas a maior parte do faturamento é com as publicidades inseridas antes das histórias quando elas são liberadas nas plataformas gratuitas, como Spotify e Orelo. Ela lamenta que a área ainda é precarizada, e que os produtores não ganham “1 centavo” pelas reproduções dos áudios nas plataformas, com exceção da Orelo.

“Considero meu podcast fora da curva. Não vai achar um que tenha tanta publicidade. Acho essa área uma coisa brilhante, pois qualquer pessoa pode gravar e subir e fazer seu próprio podcast.”

O Conglomerado Ponei tem ainda um contrato de exclusividade com a Amazon Music para um quadro só com histórias que aconteceram no ambiente de trabalho, o Histórias da Firma.

Ao todo, Déia diz que estão próximo da marca de 1 mil histórias gratuitas lançadas. Outra tantas publicadas apenas para assinantes. E a fila de e-mails – canal para que as pessoas enviem seus causos – está em 13 mil relatos na sua caixa de entrada.

Com isso, de acordo com dados de 2023, o podcast reúne mais de 2 milhões de ouvintes, sendo a grande maioria do público (82%) de mulheres e na faixa entre 23 e 34 anos (quase 70%). São mais de 251 milhões de plays no Spotify (consumo gratuito) e uma média de 280 mil plays por episódio. E quase todas as histórias estão disponíveis no Youtube contadas em libras, a língua brasileira de sinais.

Haters e Ministério Público

Se por um lado muitos celebram a “distribuição de lucros” promovida pelo Ponei, de outro, a empresa é alvo de muitas críticas e agressividade nas redes sociais. E pior, vítima de crimes.

“Teve muita gente falando que vou quebrar, não devia ter feito [a doação dos imóveis]”, conta. Mas uma das mais graves investidas foi quando anunciou a abertura de uma vaga prioritária para mulheres (ou pessoas que se identificam como mulheres) pretas, pardas ou indígenas. A vaga era para redatora, com contrato temporário, como freelancer (PJ) com remuneração de R$ 4 mil.

Déia foi denunciada para o Ministério Público acusada de “racismo reverso”. Como o crime de “racismo reverso” não existe e a abertura das chamadas “vagas afirmativas” – voltadas para diversidade e inclusão –  é algo previsto na legislação, a denúncia não teve sequência. “Foi uma pessoa branca que alegou ter se sentido discriminada”.

O impacto foi sentido nas assinaturas, que Déia calcula entre 2 e 3 mil cancelamentos na época da divulgação sobre a vaga.

Mas outro processo segue na Justiça. Déia chegou a ser acusada de praticar tráfico de drogas. Duas pessoas estão citadas no caso como divulgadoras da informação falsa.

Ainda têm publicações nas redes que a acusam – ou levantam a possibilidade – de que ela pratica algum tipo de esquema de pirâmide.

“Já falaram até mesmo que é tudo mentira, que meus funcionários não existem, ou que logo serão todos demitidos.”

Alguns também duvidam que as histórias sejam verdadeiras, mas ela garante que sim, inclusive aquelas com relatos sobre espíritos e outros seres, algumas assustadoras, outras até fofas.

“A realidade é muito mais complexa do que qualquer coisa que eu pudesse inventar”

Déia também recebe muitas críticas por seu posicionamento político, já que não esconde ser petista. Chegou a fazer promessa para que o Lula fosse eleito. Prometeu caminhar uma trilha, atividade que ela odeia. Ela diz que a equipe fica receosa com as perdas de assinaturas por conta disso. “Não perdemos assinantes além da variação normal de qualquer serviço de assinaturas”, avalia.

Pets

Um dos gatos da Déia foi “nomeado” como CEO do Conglomerado Ponei, o Coentro Nenê. Isso dá a dica da relação da Déia com os pets. Ela criou o aplicativo Patada, um tipo de “tinder” para adoção de cães e gatos, que busca “pais” para os animais abandonados. Tem até um botão ‘curtir’ e geolocalização.

Além disso, ela apoia a ONG Capa, que cuida das capivaras do rio Pinheiros e alguns cães e gatos.

Próximas histórias

O Conglomerado Ponei se prepara para novos projetos, mas segue na contação de histórias. Em parceria com a editora Intrínseca, os quadros Picolé de Limão e Luz Acesa vão virar livro.

O podcast também está começando a tocar um projeto para virar série. Na fila ainda tem uma parceria com o Mundo Freal para uma rádio-novela, mas essa com histórias ficcionais.

Os quadros do Não Inviabilize

  • Luz Acesa: sobre experiências com espíritos e outros seres sobrenaturais
  • Amor nas Redes: com todos os tipos de casos de amores
  • Pimenta no dos Outros: histórias curiosas em momentos de sexualidade
  • MicoMeu: sobre gafes e constrangimentos
  • dETesto: com situações envolvendo supostos extraterrestres. O nome é porque a Déia diz que detesta esse tipo de história, não por medo, mas porque “não entende muito bem esse comportamento desses supostos ETs”. Mas resolveu contar mesmo assim por conta dos pedidos da audiência fiel.
  • Minhas Coisinhas: quando compartilha alguns fatos e novidades da sua vida pessoal ou do podcast – e agora, da empresa Conglomerado Ponei.
  • Desfecho: algumas histórias que não tiveram encerramento quando contadas podem receber uma atualização um tempo depois com o desfecho do caso. Mas só é feito quando, o protagonista da história, volta espontaneamente para fazer a atualização.
  • Proibidão: reúne histórias “pesadas” que pessoas compartilham que envolvem traições, falsas paternidades e até passagens incestuosas.
  • Meu Erro: quando alguém quer compartilhar uma situação ‘Picolé de Limão’, porém do seu ponto de vista como a pessoa errada da história, e arrependida do feito.
  • Histórias da Firma: casos que ocorrem no mundo corporativo

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