‘Precisamos mudar foco da exploração para o mar’, diz Gunter Pauli, ‘pai’ da economia azul

Muito se fala em economia verde, automaticamente associada à imensidão da Amazônia, por exemplo. Mas há outra matriz de economia ligada ao meio ambiente que é menos abordada, apesar de seu tamanho: os oceanos.

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Gunter Pauli, economista belga conhecido como “pai da economia azul”, por ter criado o conceito e que tem trabalhado nessa divulgação, ressalta como os agentes econômicos globais têm negligenciado os oceanos como uma fonte significativa de desenvolvimento econômico e ambiental. Isso porque, avalia, faltam dados sobre todo esse ecossistema que poderiam impulsionar uma exploração estratégica e sustentável desse ambiente, que ocupa dois terços do planeta.

Em entrevista exclusiva ao site IstoÉ Dinheiro, Pauli destaca que, apesar de abrigar 70% da população mundial em regiões costeiras, o mar representa apenas 5% do PIB global.

“Precisamos olhar para a interface entre a terra e o mar, onde está a maior oportunidade econômica. É um potencial que poderia impactar fortemente economias como o Brasil, com ampla extensão litorânea”

Pauli será o principal palestrante do evento Tomorrow Blue Economy, que começa nesta quarta, 4, em Niterói (RJ), e reune nomes como a velejadora Tamara Klink e Rodrigo Thomé, do movimento Euceano, para debater a economia azul, passando por temas como resiliência costeira, mudanças climáticas, esportes, portos sustentáveis, tecnologia e governança das águas.

Confira a entrevista:

Quando falamos sobre economia vinda dos oceanos, há uma série de atividades que associamos, como pesca, exploração petroleira ou até mesmo o turismo. Mas hoje, qual seria a atividade econômica dentro da economia azul com maior capacidade de gerar valor?

O turismo é o número um.  Mas, se olharmos um pouco mais à distância, parece que esquecemos que 70% da população mundial vive ao longo da costa. Portanto, a verdadeira economia é aquela que não estamos explorando de forma alguma. Hoje, o mar representa apenas 5% do PIB mundial, mas 70% das pessoas vivem ao longo e perto da costa. Então, estamos claramente perdendo algo. Isso é apenas a primeira observação macro, mas o turismo não deveria ser a principal fonte de receita do mar.

Além de catalisar muitos investimentos e receitas adicionais, precisamos repensar como podemos gerar mais renda do que a que conhecemos hoje.

Então, para esclarecer, quando falamos em economia azul, devemos pensar não só na água do mar em si, mas na costa e em outros ambientes

Não é o mar, mas o que está conectado ao mar. Quando falamos sobre a economia azul, consideramos a costa, não apenas o oceano profundo. Não se deve olhar apenas para a água. Você olha para a água e sua relação com a terra, porque onde está a maior oportunidade é, de fato, nessa interface.  Não vamos considerar apenas as águas do mar, mas também os deltas. Se você está no delta de Lagos [Nigéria], sabe que há 25 milhões de pessoas, cercadas de um lado pelo mar e, do outro, pelo delta do maior rio. O mesmo acontece com o delta do Mekong, no sudeste da Ásia [no Vietnã], uma área enorme. É tudo sobre a interface entre a terra e o mar. O mesmo vale para o Rio de Janeiro, que tem um ecossistema gigantesco.

E quais as atividades com maior potencial exploratório que não estamos focando? Fontes de energia, pesca?

O que você mencionou são indústrias do passado e do presente, mas não do futuro. Estou preparando documentos estratégicos, como fiz para o governo da Argentina e do Marrocos, olhando para os próximos 20, 30, 50 anos. Em 2050, projetamos uma economia azul diferente.

Primeiro, a maior fonte de renda do mar será o DNA. Hoje, apenas 0,1% do DNA conhecido vem do mar. Temos a maior fonte inexplorada de DNA. Por que não conhecemos o DNA da vida marinha? Parte disso é porque pensamos que explorar o fundo do mar é mais difícil do que ir à Lua. Mais pessoas foram à Lua do que ao fundo do oceano.

Se tivermos uma estratégia de identificação de DNA, por exemplo, no Brasil, encontraremos milhões de novos DNAs no mar. Isso permitirá desenvolver novos medicamentos, química e quem sabe até mesmo novas formas de construção para a sociedade futura. Esse DNA pertence ao país, de acordo com as convenções internacionais.

Outra área negligenciada na economia azul é a comunicação. Satélites não funcionam debaixo d’água. As baleias, no entanto, se comunicam a 3.000 km de distância. O desenvolvimento de tecnologias de comunicação submersas poderia gerar receitas maiores do que as da exploração de petróleo e gás, respondendo à crescente demanda por conectividade global.

Acabou de se realizar a COP29, com muitos debates sobre meio ambiente, mudanças climáticas, mercado de carbono, transição energética etc. Primeiramente, me corrija se estiver errada, mas minha percepção é de que a abordagem da economia azul fica mais tímida nesses grandes encontros que falam de desenvolvimento sustentável. Então, como a economia azul poderia contribuir para esses temas listados?

Você mencionou que a economia azul é um assunto pouco discutido e eu concordo plenamente. Isso é algo com o qual precisamos lidar. E é por isso que conferências como essa no Rio são tão importantes. Precisamos aproveitar oportunidades não exploradas. Não quero contribuir para mais mineração ou pesca, pois muito já foi dito. Precisamos melhorar o potencial da economia e ver novas oportunidades.

Bem, os mares são os únicos que produzem o oxigênio, 90% do oxigênio, e eles são os únicos que podem capturar mais e mais carbono. Então, se quisermos olhar para o debate de onde estão as oportunidades na discussão de desenvolvimento sustentável, é no mar.

Se plantarmos florestas marinhas, capturaremos muito mais carbono do que com florestas terrestres, pois no mar não há gravidade, o que torna a captura mais eficiente.

Olhando especificamente para o Brasil, com mais de 8 mil quilômetros de costa. Como vê o potencial de exploração dessa fonte e como avalia o desempenho do país quando se fala em economia azul? O que estamos fazendo bem e o que deveria melhorar?

Para o Brasil, com mais de 8 mil km de costa, há um enorme potencial. É lamentável que o foco esteja apenas na Amazônia. Embora a Amazônia receba grande parte da atenção internacional, o Brasil possui um imenso potencial econômico em suas costas. A regeneração de ecossistemas costeiros, como manguezais e florestas de algas, pode desempenhar um papel vital na captura de carbono. Essas florestas marinhas são mais eficientes do que as terrestres devido à ausência de gravidade, o que facilita a absorção de CO₂.

Precisamos mudar o foco da exploração terrestre para o mar, aliviando o estresse sobre o solo e aproveitando os recursos marítimos.

O Brasil está apenas começando a descobrir a economia azul. Não há dados suficientes, e sem dados, não podemos criar estratégias. Precisamos mudar nossa mentalidade e coletar novas informações. Se não conhecemos o potencial do DNA marinho, por exemplo, não podemos explorar essa oportunidade.

Qual o maior desafio hoje na exploração da economia azul?

O maior desafio é a mentalidade e a coleta de dados. Precisamos criar novas formas de capturar informações. Espero que eventos como este tragam surpresas positivas e mostrem que há mais oportunidades do que imaginamos. Precisamos identificar boas notícias e oportunidades que ainda não vimos.

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