Por que a União Europeia quer barrar a Temu?

UE acusa empresa chinesa de vender produtos fora das normas europeias e de uma série de outras irregularidades, em meio à forte concorrência no setor de comércio eletrônico.Quem confrontar a empresa chinesa Temu com as acusações que a União Europeia (UE) lhe faz receberá exatamente o que centenas de milhares de clientes dela recebem todos os dias: pacotes. No caso, pacotes de mensagens, que, juntos, são quase do tamanho deste texto. Numa de suas mensagens, a Temu garante à DW que cooperará totalmente com as autoridades reguladoras da UE.

A Temu está acostumada a se defender de acusações, pois elas não param. No início de 2024, a associação europeia de fabricantes de brinquedos TIE descobriu que 95% dos brinquedos infantis vendidos no site da Temu ofereciam riscos à segurança das crianças. Na Alemanha, a Associação dos Centros de Defesa do Consumidor já fazia esse alerta há bem mais tempo e emitiu uma advertência à plataforma no início do ano.

Em outubro, a pressão aumentou ainda mais: a Comissão Europeia abriu um processo contra a plataforma. A lista de acusações é longa, mas trata-se, sobretudo, da importação ilegal de produtos que não atendem às normas da UE. Mas também de falsos descontos, de avaliações de clientes falsificadas, de informações incompletas de vendedores e de um design feito para viciar.

Como funciona a Temu?

A Temu chegou aos Estados Unidos em setembro de 2022, e a ideia era oferecer produtos chineses aos consumidores americanos. Desde então, essa plataforma de vendas online vem crescendo rapidamente em todo o mundo.

Seja um pó para clareamento de dentes ou uma tesoura de jardinagem, na Temu há milhares de itens a preços imbatíveis. Os produtos são enviados em pacotes – a maioria diretamente da China. Estima-se que, só na Alemanha, 400 mil pacotes da Temu e da sua concorrente chinesa Shein sejam entregues diariamente.

A Temu oferece preços favoráveis porque funciona exclusivamente como marketplace. As pessoas que fazem compras no app ou no site da Temu geralmente recebem suas encomendas diretamente do depósito de um fabricante ou varejista na China. A Temu atua apenas como intermediária e recebe uma comissão. Assim pode dispensar quase completamente os depósitos, o que economiza custos. Isso resulta, porém, em prazos de entrega mais longos.

“A Temu consegue seu preço significativamente mais baixo devido aos longos prazos de entrega”, explica o especialista em varejo online Alexander Graf. “O setor de comércio eletrônico ocidental parece ter apostado demais nos prazos de entrega mais curtos”, observa.

Graf afirma ainda que o aplicativo da Temu incentiva os consumidores a comprarem com mais frequência. O sucesso prova que ela está certa: o app da Temu foi o mais baixado de 2023, de acordo com a Apple.

Essas características estão criando uma séria concorrência para o principal nome do comércio online, a americana Amazon, que está tendo dificuldades para competir com a Temu. Por isso, a empresa lançou, nos Estados Unidos, o serviço Amazon Haul, no qual o preço dos produtos é limitado a 20 dólares e os prazos de entrega são bem mais longos. O novo ambiente virtual também tem cores brilhantes, muitos emojis e animações.

Quem é o dono da Temu?

Por trás da Temu está a empresa chinesa PDD Holdings, antiga Pinduoduo, que está listada na Nasdaq, uma bolsa de valores nos Estados Unidos. Entre os principais produtos da PDD está o site de comércio eletrônico Pinduoduo, voltado para o mercado interno chinês. O fundador da PDD é o bilionário chinês Colin Huang, um dos homens mais ricos da China.

No seu mais recente balanço, a PDD Holdings anunciou um crescimento mais lento das vendas, com uma receita total de 99,4 bilhões de yuans (13,7 bilhões de dólares) e um lucro líquido de 25 bilhões de yuans (3,4 bilhões de dólares) no período de três meses encerrado em 30 de setembro.

Apesar de ter chegado à Europa apenas no ano passado, a Temu diz ter, em média, cerca de 75 milhões de usuários ativos mensais na região. Desde o início de junho, ela está operando também no Brasil. Em setembro, já tinha 25 milhões de usuários, segundo a imprensa brasileira, que cita um relatório do banco Citi.

Temu diz que coopera com a UE

O processo contra a Temu é o segundo que a Comissão Europeia abre contra uma plataforma de comércio eletrônico chinesa, depois da Aliexpress. Isso pode ser feito porque a Temu é uma das chamadas grandes plataformas, ou seja, que declara ter mais de 45 milhões de usuários, e assim se enquadra na lei de serviços digitais (DSA), que visa estabelecer um conjunto de normas para serviços online, com foco especial nas grandes plataformas.

A Temu tem agora até o início de dezembro para atender às exigências. Se isso não ocorrer, a empresa poderá receber multas pesadas. À DW, a Temu afirmou que coopera totalmente com essa investigação e que acredita que ela acabará por beneficiar os consumidores, os varejistas e a própria plataforma no longo prazo.

Truques para burlar impostos?

No entanto, críticos veem problemas numa área completamente diferente: mercadorias abaixo de 150 euros podem ser importadas para a UE sem o pagamento de imposto alfandegário. O especialista tributário Roger Gothmann diz que a empresa chinesa se aproveita disso. “A maioria das encomendas feitas na Temu está abaixo de 150 euros”, diz. Sem esse limite de isenção de impostos alfandegários, a Temu não seria capaz de oferecer preços tão favoráveis.

Gothmann supõe que a Temu até mesmo divida as encomendas maiores em vários pacotes para que estes fiquem abaixo do limite de isenção de impostos. Segundo ele, controles aleatórios na alfândega confirmariam isso. A Temu nega essa prática.

Troca de informações dentro da UE

Apesar da isenção limitada de imposto alfandegário, há ainda o chamado imposto sobre o valor agregado (IVA) de mercadorias importadas. Como a Temu está registrada na Irlanda, deve declarar e pagar esse IVA lá. Em seguida, a Irlanda deve distribui-lo entre os demais estados da UE.

Porém, essa troca de informações dentro da UE é custosa e quase nunca ocorre, critica Gothmann. Por isso ele defende um monitoramento mais eficaz de plataformas como a Temu e a aplicação das leis que já existem. Outra medida defendida por ele é equipar as autoridades com ferramentas de análise mais modernas.

Já há algum tempo que a Comissão Europeia defende o fim do limite de isenção no imposto alfandegário. Ela quer aboli-lo até 2028 e criar um centro de dados da UE que reúna todos os dados alfandegários relevantes.

Tudo isso mostra que a pressão sobre as empresas de comércio eletrônico está aumentando de todos os lados. No entanto, Graf diz não acreditar que o avanço da Temu possa ser interrompido. Ele aponta para o sucesso da Pinduoduo, que “roubou a cena” na Ásia em menos de cinco anos. É, portanto, necessário se adaptar ao modelo de negócios da Temu. E é improvável que o número de pacotes encomendados na China diminua.

Com informações de Nicolas Martin.

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