Lula e o pacote fiscal: efeito político pode custar 2026?

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ajuste fiscal nas contas públicas está sendo martelado como uma das maiores preocupações do mercado financeiro há meses. Ao passo que os investidores e agentes esperam redução robusta nos gastos, do ponto de vista político o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece estar diante do velho dilema de “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”, uma armadilha que ele criou para si mesmo, segundo um dos especialista consultados pelo BP Money.

Nas últimas semanas, o tema do ajuste fiscal e sustentabilidade do arcabouço se tornou mais incidente pela espera do pacote de corte de gastos do governo, cujo anúncio já foi prometido e remediado mais de uma vez. Agora, espera-se que seja divulgado ao fim desta semana, com o encerramento do G20 no Rio de Janeiro.

O planejador financeiro e fundador do Eu me banco, Fábio Louzada, afirmou que a expectativa para as novidades sobre esse pacote.

“Na minha visão, para que o Brasil seja visto como um país com responsabilidade fiscal e atrativo para investidores estrangeiros, são necessárias diversas ações que mostrem estabilidade e crescimento econômico”, disse.

O especialista citou ser necessário a implementação de um orçamento rigoroso pelo governo, com limites de gastos reais, que priorizem investimentos em áreas estratégicas, além da criação de metas claras para reduzir a relação dívida/PIB.

“Reduzir a ineficiência da máquina pública e aumentar a produtividade do setor público também é fundamental. Um país com responsabilidade fiscal tende a ter um risco país menor, o que se traduz em taxas de juros mais baixas para o governo e para as empresas”, acrescentou Louzada. 

No entanto, o governo Lula esbarra em um fator que trava a definição do pacote fiscal: a repercussão do corte de orçamento diante do seu eleitorado, majoritariamente de esquerda, que por ideologia política, sempre espera maior compromisso e participação do Estado em questões sociais e de investimento público.

Para o cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Eduardo Grin, na medida em que, pelo que foi noticiado até o momento, os cortes seriam nos valores da Educação, Saúde e também com limitações ao salário mínimo dentro do arcabouço, o governo pode estar tentando calibrar nos ajustes para que outras áreas contribuam, como a Defesa, tentando reduzir o efeito sobre o eleitorado.

“O quanto ele vai ser bem sucedido, eu não sei porque esses setores vinculados aos militares, as próprias emendas do Congresso são muito fortemente organizadas. Se houver uma contribuição do Ministério da Defesa, deve ser muito superficial, apenas para dizer que os militares também ajudaram com o ajuste fiscal”, afirmou Grin.

Lula criou de fato uma certa armadilha para ele mesmo, porque na medida em que ele prometeu dinheiro público para a educação, para a saúde, para o salário mínimo, ele criou uma expectativa de que o Estado seria capaz de manter essas políticas públicas, e, portanto, ele incorreu isso na sua popularidade”, detalhou o cientista. 

“Se ele cortar [gastos] agora, ele pode perder popularidade, se ele não cortar, o preço do dólar pode aumentar, a inflação pode subir, e os ganhos dos programas sociais podem ser corroídos pela inflação, então, qual dos dois caminhos políticos ele vai adotar? É a grande, é a pergunta de um milhão de dólares”, prosseguiu.

Na avaliação de Grin, o Presidente da República pode propor algo que mostre ao mercado que ele está bem intencionado, mesmo não sendo exatamente o esperado, mas algo que também reduz o impacto na redução do orçamento dos programas sociais.

O papel do arcabouço fiscal

O economista Natale Papa Jr. esclareceu que a abordagem do arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos que foi utilizado durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, tem um modelo mais flexível, que permite o avanço das despesas conforme as receitas também crescem, nas linhas estabelecidas.

Ele afirmou que o modelo tem chances de sucesso se seguir uma disciplina e tiver respaldo em políticas de estímulo à produtividade e à confiança dos investidores.

“No entanto, existem desafios significativos que podem comprometer seus objetivos, como a dificuldade em alinhar o Congresso em torno de metas fiscais, possíveis frustrações na arrecadação de receitas e pressões políticas para aumentar os gastos”, completou Natale. 

Na sua visão, as questões estruturais da economia brasileira não encontrarão resolução apenas no arcabouço. 

“A adesão rigorosa às metas fiscais e a sinalização clara de comprometimento com a sustentabilidade fiscal são cruciais para garantir sua eficácia e esperamos que essa flexibilização no teto de gastos não traga efeitos negativos nesse sentido”, disse o economista.

Quanto à possível medida de limitar o salário mínimo para conter o crescimento de gastos com os benefícios sociais e a previdência, que são vinculados a esse valor, Natale acredita que os impactos negativos serão não só na política como na economia também. 

“Os efeitos negativos dessa política podem ser significativos, já que a redução no poder de compra das camadas mais vulneráveis da população impacta diretamente o consumo interno, um dos principais motores do crescimento econômico no Brasil. Além disso, pode aumentar as desigualdades sociais e gerar insatisfação entre os trabalhadores”, disse ele.

Em sua visão, essa seria uma solução de curto prazo que não resolveria as causas estruturais do desequilíbrio fiscal do Brasil, que precisa de uma reforma previdenciária e administrativa “mais abrangentes e sustentáveis”.

Nova configuração do eleitorado de Lula

O governo Lula 3 está entrando finalizando seu 2º ano de mandato com uma avaliação positiva de 35,5% dos brasileiros, o menor patamar desde o início da sua nova gestão, em janeiro de 2023, segundo levantamento do CNT (Confederação Nacional do Transporte). Enquanto isso, a avaliação negativa chegou a 30,8%, a maior marca na série histórica. 

Eduardo Grin analisou que a parte do eleitorado que historicamente sempre votou no PT, cerca de 30%, deve seguir votando em Lula – ou no candidato do partido – em 2026, mas isso não é suficiente para ganhar uma eleição.

“Qual é o desafio que consiste, então? Mais importante, a chamada classe C, aqueles segmentos que foram beneficiados, inclusive por muito às políticas sociais do governo Lula, desde o seu primeiro governo lá no dois mil e três, hoje estão muito mais conservadores por assim dizer”, destacou.

Essa parte dos brasileiros agora preza por mais liberdade do Estado, por ser um eleitor que quer empreender e receber o apoio governamental para isso, além de ser mais conservador em questões de valores. Segundo Grin, é com essa camada que a esquerda em geral tem encontrado dificuldade em dialogar.

“É um eleitorado que já não se satisfaz mais apenas com políticas de transferência de renda e quer apoio de outras formas como microcrédito, apoio para empreender, redução de pagamento de impostos. […] Essa realidade toda mudou muito desde o primeiro governo do PT e o partido não conseguiu acompanhar essa mudança”, explicou o cientista.

Para retomar os eleitores que foram beneficiados e votaram em Lula e no PT anos atrás, que agora estão migrando para a direita, extrema direita, ou para o centro, será preciso criar uma ponte que dê contas das questões que pesam para esse segmento.

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