O que é obsolescência programada?

A obsolescência programada é uma estratégia industrial utilizada por fabricantes para limitar intencionalmente a vida útil de produtos, incentivando a substituição frequente e, assim, estimulando o consumo contínuo. 

O conceito descreve que os produtos são projetados para se tornarem obsoletos ou inutilizáveis em um período predeterminado, mesmo que possam continuar funcionando perfeitamente. 

E a obsolescência programada pode ser implementada de diversas maneiras, como o uso de materiais de baixa durabilidade, a introdução de atualizações de software que degradam o desempenho de dispositivos mais antigos, ou a dificuldade em encontrar peças de reposição.

Qual a origem da obsolescência programada?

A prática da obsolescência programada remonta às primeiras décadas do século XX, com a Grande Depressão servindo como pano de fundo para sua adoção. 

Em 1924, um grupo de grandes fabricantes de lâmpadas, conhecido como Cartel Phoebus, decidiu limitar a vida útil das lâmpadas incandescentes para cerca de mil horas, muito menos do que a tecnologia permitia. Esse acordo visava aumentar as vendas, criando uma demanda constante por novas lâmpadas. 

O termo “obsolescência programada” foi popularizado em 1932 pelo corretor de imóveis americano Bernard London, que sugeriu a adoção dessa prática por lei para estimular a economia dos Estados Unidos, afetada pela crise de 1929. Embora a proposta de London não tenha se tornado lei, a obsolescência programada foi amplamente adotada como estratégia de mercado.

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Dados e estatísticas sobre a obsolescência programada

A obsolescência programada tem impactos significativos tanto no comportamento do consumidor quanto no meio ambiente. Veja agora alguns dados e estatísticas relevantes:

  1. Lixo eletrônico: de acordo com a Global E-waste Statistics Partnership (GESP), em 2019 foram geradas 53,6 milhões de toneladas de lixo eletrônico, equivalente ao peso de 350 navios de cruzeiro. Esse número cresce anualmente, exacerbado pela rápida substituição de dispositivos eletrônicos.
  2. Consumo de recursos naturais: a produção contínua de novos produtos para substituir os obsoletos exige uma enorme quantidade de recursos naturais. Por exemplo, os Estados Unidos, com apenas 5% da população mundial, consomem cerca de 30% dos recursos globais, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
  3. Impacto financeiro: a obsolescência programada impõe um custo financeiro significativo aos consumidores. Por exemplo, os consumidores frequentemente precisam substituir smartphones, laptops e outros dispositivos eletrônicos dentro de poucos anos devido a falhas planejadas ou incompatibilidades com novos softwares. Um estudo da Nielsen revelou que consumidores americanos gastam em média USD 1.200 por ano em novos dispositivos eletrônicos.
  4. Poluição e saúde: a produção e o descarte de produtos obsoletos contribuem para a poluição ambiental e problemas de saúde. A ONU estima que 12,9 milhões de mulheres trabalham no setor informal de resíduos, muitas delas expostas a materiais tóxicos presentes no lixo eletrônico.

Os diferentes tipos de obsolescência programada

Este conceito pode ser categorizado em diferentes classificações, cada um com suas próprias características e métodos de implementação.

Obsolescência artificial ou programática

Ocorre quando os produtos são projetados para falhar ou se tornarem obsoletos após um certo período ou número de usos. Um exemplo comum é a criação de eletrônicos que têm componentes essenciais com vida útil limitada, como baterias de smartphones que não podem ser facilmente substituídas.

Obsolescência psicológica ou perceptiva

Envolve mudanças na aparência ou design dos produtos para torná-los menos desejáveis aos consumidores, mesmo que ainda funcionem perfeitamente. A indústria da moda é um exemplo clássico, onde novas coleções são lançadas regularmente para tornar as roupas das estações passadas “fora de moda”.

Obsolescência tecnológica

Refere-se à incompatibilidade deliberada criada pela introdução de novos produtos que não são compatíveis com versões anteriores. Isso é comum em eletrônicos, onde novos modelos de smartphones ou computadores vêm com atualizações de software que não suportam dispositivos mais antigos.

Envolve a introdução de novas regulamentações que tornam produtos existentes ilegais ou não conformes com os padrões. Um exemplo é a proibição de veículos antigos que não atendem às normas de emissão de gases.

Como funciona a obsolescência programada?

As empresas aplicam diversas técnicas para assegurar que seus produtos se tornem obsoletos ou inutilizáveis após um período determinado, mesmo que a tecnologia existente permita a fabricação de itens mais duráveis e reparáveis. 

Estas são as mais conhecidas:

  1. Componentes de baixa durabilidade: produtos são projetados com peças que têm uma vida útil curta, forçando os consumidores a substituí-los mais rapidamente. Por exemplo, muitas impressoras têm contadores internos que limitam o número de impressões antes de parar de funcionar, mesmo que a máquina esteja em boas condições.
  2. Atualizações de software: fabricantes de dispositivos eletrônicos frequentemente lançam atualizações de software que diminuem o desempenho de modelos mais antigos, incentivando os usuários a adquirir versões mais novas. Um exemplo  notório é a desaceleração de iPhones mais antigos pela Apple através de atualizações do iOS.
  3. Dificuldade de reparo: muitos produtos modernos são feitos de maneira que dificulta o reparo. Isso inclui o uso de componentes proprietários, falta de manuais de reparo e peças de reposição caras ou indisponíveis. Aqui, vemos os laptops com baterias integradas que não podem ser substituídas facilmente pelo usuário como exemplo.
  4. Mudanças estéticas e de design: a indústria frequentemente altera o design dos produtos para que as versões antigas pareçam desatualizadas. Isso é evidente na moda e em produtos de tecnologia, onde a aparência moderna é um forte motivador de compra.

Exemplos de obsolescência programada

Temos inúmeros exemplos de obsolescência programada em várias indústrias. Mas, para ilustrar, listamos cinco segmentos no qual isso ficou extremamente visível:

Lâmpadas Incandescentes

O Cartel Phoebus, formado nos anos 1920, reduziu deliberadamente a vida útil das lâmpadas incandescentes para cerca de mil horas, quando poderiam durar muito mais, para aumentar as vendas.

Smartphones

Empresas como Apple e Samsung recentemente estão sendo acusadas de reduzir o desempenho de modelos antigos de smartphones através de atualizações de software, incentivando os consumidores a comprar novos dispositivos.

Em caso recente, de 2018, a Autoridade de Competição e Mercado da Itália (AGCM) multou Apple e Samsung em 10 milhões e 5 milhões de euros, respectivamente, por práticas de obsolescência programada. As investigações revelaram que ambas as empresas induziram os consumidores a instalar atualizações de software que causavam mal funcionamento e redução significativa de desempenho, sem fornecer informações adequadas ou suporte para recuperar a funcionalidade dos dispositivos​.

Impressoras

Algumas marcas de impressoras programam seus dispositivos para parar de funcionar após um determinado número de impressões, forçando os usuários a comprar uma nova impressora ou pagar por reparos caros.

Eletrodomésticos

Produtos como máquinas de lavar e geladeiras frequentemente têm componentes que falham prematuramente. Além disso, a substituição de peças pode ser tão cara que torna mais econômico comprar um novo aparelho.

Veículos automotivos

Em muitos casos, fabricantes de automóveis introduzem novas tecnologias que tornam os modelos anteriores obsoletos. Incluindo sistemas de entretenimento e navegação que não são compatíveis com versões anteriores.

Esses exemplos ilustram como a obsolescência programada é uma prática generalizada que afeta diversas áreas da vida dos consumidores, incentivando um ciclo contínuo de compra e descarte.

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Quais os impactos ambientais da obsolescência programada?

A obsolescência programada exerce um impacto profundo e multifacetado sobre o meio ambiente, exacerbando problemas já existentes e criando novos desafios para a sustentabilidade global. Esta prática, ao encurtar deliberadamente a vida útil dos produtos, leva a um aumento significativo na geração de resíduos e na demanda por recursos naturais, intensificando a exploração ambiental e a poluição.

Aumento de lixo eletrônico: a prática leva ao descarte prematuro de produtos eletrônicos, resultando em grandes volumes de lixo eletrônico. Em 2019, o mundo gerou 53,6 milhões de toneladas de lixo eletrônico, de acordo com a Global E-waste Statistics Partnership (GESP). Esses resíduos muitas vezes contêm materiais tóxicos como chumbo, mercúrio e cádmio, que podem contaminar o solo e a água​.

Depleção de recursos naturais: a produção contínua de novos produtos para substituir os obsoletos requer uma grande quantidade de recursos naturais. Isso inclui a mineração de metais raros e o uso de petróleo para plásticos, intensificando a exploração dos recursos naturais e reduzindo a disponibilidade futura desses materiais

Emissões de gases de efeito estufa: a fabricação, transporte e descarte de produtos contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. A produção de novos dispositivos eletrônicos e a operação das fábricas associadas geram grandes quantidades de dióxido de carbono, exacerbando as mudanças climáticas.

Contaminação e poluição: muitos produtos descartados contêm substâncias químicas tóxicas que, quando não são descartadas corretamente, podem poluir o meio ambiente. Assim como a incineração de lixo eletrônico pode liberar dioxinas e outros compostos perigosos no ar​.

Existe uma forma de evitar a obsolescência programada?

Apesar de hoje estar profundamente enraizada em práticas industriais modernas, existem várias maneiras comprovadas de reduzir seus efeitos. Governos podem implementar leis que exigem que os fabricantes aumentem a durabilidade dos produtos e forneçam informações transparentes sobre a vida útil e reparabilidade dos itens. Por exemplo, a União Europeia já possui regulamentações que incentivam a produção de produtos mais duráveis e a disponibilização de peças de reposição. Quando será que o Brasil vai impor algo semelhante?

Afinal, fabricantes podem adotar práticas de design sustentável, criando produtos que sejam fáceis de reparar, atualizar e reciclar. Temos ainda o uso de materiais recicláveis e a facilitação do acesso a manuais de reparo e peças de reposição. Ao adotar essas simples práticas, as empresas já podem reduzir o impacto ambiental de seus produtos em algum nível considerável.

Consumidores também desempenham um papel-chave na redução dos efeitos da obsolescência programada. Ao debater mais o tema e adotar hábitos de consumo mais conscientes, é possível escolher adquirir produtos de empresas que se comprometam com a sustentabilidade e evitar compras impulsivas. Além disso, a preferência por produtos reparáveis e atualizáveis pode reduzir a demanda por itens descartáveis, promovendo um ciclo de consumo mais sustentável.

Promover uma economia circular, onde os produtos e materiais são reutilizados, reparados e reciclados, é outra estratégia eficaz para minimizar o desperdício e a necessidade de novos recursos. Inclui-se aí o fortalecimento de mercados de segunda mão e a criação de programas de devolução de produtos usados. Essas iniciativas  ajudam a reduzir a quantidade de resíduos gerados e incentivam a reutilização de materiais, contribuindo para a sustentabilidade a longo prazo​.

Conclusão

A obsolescência programada é uma prática real, cientificamente comprovada, e cada vez mais comum, cujas consequências econômicas, sociais e ambientais são significativas. Enquanto incentiva o consumo e sustenta o crescimento econômico para algumas indústrias, ela também impõe custos elevados aos consumidores e ao meio ambiente. 

No entanto, para mitigar esses impactos, além da conscientização e maior debate por parte dos consumidores, é necessária a adoção de regulamentações mais rígidas, práticas de design sustentável, e a promoção de hábitos de consumo consciente. 

Somente através de esforços colaborativos entre governos, indústrias e consumidores será possível criar um sistema mais sustentável e justo, onde os produtos são feitos para durar e o desperdício é minimizado. Precisamos falar muito mais sobre isso!

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