Cinco mil formigas colocam contrabando de animais em foco

Dois casos no Quênia revelam a ameaça crescente que o comércio ilegal de animais selvagens representa para ecossistemas, economias nacionais e saúde humana.Quatro homens foram condenados no Quênia por tráfico de animais: admitindo a posse dos bichos, porém negando intenção de contrabandeá-los. Dois belgas, um vietnamita e um queniano foram multados no equivalente a 6.150 euros (R$ 38.750). Surpreendente, talvez, é a espécie apreendida em sua bagagem, no Aeroporto Jomo Kenyatta, de Nairóbi: mais de 5 mil formigas.

Apesar de terem sido julgados em conjunto, trata-se de dois casos distintos. Os belgas, de 18 anos de idade, levavam em sua bagagem 2.244 tubinhos com os insetos; enquanto os outros dois réus haviam acondicionado seu contrabando em seringas forradas de algodão. A polícia calculou em mais de 6.800 euros o valor da mercadoria.

Essa estimativa é bastante cautelosa, já que entre as formigas encontravam-se exemplares da espécie colhedora Messor cephalotes (ou giant African harvester ant), da qual uma única rainha vale no mínimo 87 euros. Não é raro aficionados pagarem bem mais do que isso, portanto valor do butim pode ter chegado a centenas de milhares de euros.

Segundo a queixa-crime, um dos belgas se diz “fã de formigas”, mantém colônias inteiras em casa e é membro do grupo do Facebook “Formigas e criação de formigas”. Ele alegou não saber que o transporte transcontinental fosse ilegal.

Biopirataria, um crime global crescente

Segundo a Autoridade para a Fauna Silvestre no Quênia (KWS), o tráfico transgride o Protocolo de Nagoya, de 201. Crime passível de pena no país, a posse de animais selvagens sem licença é também parte de um problema global crescente, a biopirataria.

O termo designa a utilização comercial ou a exportação de material biológico como plantas, animais e microrganismos, sem indenização nem participação nos lucros para o país de origem. Assim, a prática privaria as comunidades e instituições locais de potenciais vantagens ecológicas e econômicas.

A criminalidade relacionada às espécies selvagens conta como quarta maior variedade do crime organizado. Segundo o World Wildlife Crime Report 2024, do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), os artigos mais comuns são marfim, chifres de rinoceronte e escamas de pangolim, ou, especialmente na Europa, papagaios e répteis como “animais domésticos”.

Na avaliação da KWS, porém, o atual caso indica que o comércio ilegal possa estar se deslocando de mamíferos facilmente reconhecíveis para espécies menores. Até agora, insetos representam uma parcela pequena da biopirataria, porém Messor cephalotes, em especial, possui certas características que a tornam especialmente cobiçada por colecionadores.

Além de ser a maior entre as formigas colhedoras da África, medindo até 20 milímetros (as rainhas chegam a 25 milímetros), seu comportamento é ímpar, e ela exibe habilidades complexas na formação de colônia.

Na justificativa da sentença, a juíza Njeri Thuku enfatizou que mesmo espécies animais pequenas devem ser protegidas: “Nossos animais silvestres, das formigas até os elefantes, mantêm nossos ecossistemas e nosso legado nacional.” Em comunicado, a KWS lhe dá razão: “Os contrabandistas geralmente subestimam o valor ecológico das espécies menores, cujo papel no ecossistema é insubstituível.”

Formigas melhoram a qualidade do solo, controlam as populações de insetos daninhos, propagam sementes e vivem em simbioses valiosas do ponto de vista ecológico. E seu deslocamento para outras biosferas pode ter consequências fatais.

A formiga-de-fogo-vermelha é um caso clássico: originária da América do Sul, hoje ela se proliferou até a Europa, onde ameaça outras espécies e gera danos consideráveis à agricultura e à natureza. Entretanto existem diversos outros exemplos, como o besouro-japonês, a ostra-do-Pacífico e o rato-almiscarado.

Zoonose: quando a doença salta entre espécies

O comércio ilegal da fauna selvagem não só aumenta a pressão sobre as espécies e ecossistemas ameaçados, como acarreta sérios riscos à saúde humana. Seu transporte e criação – muitas vezes em condições anti-higiênicas – pode contribuir para a propagação de zoonoses.

Entre essas doenças que transitaram de outros animais para os humanos estão a salmonela, a síndrome respiratória aguda grave (SARS), a mpox (antes denominada “varíola dos macacos”), a gripe aviária e, possivelmente, a covid-19. Calcula-se que cerca de três quartos de todas as novas moléstias infecciosas sejam zoonoses, e há estimativas de que apenas os mamíferos e as aves abriguem entre 540 mil e 850 mil vírus desconhecidos, com potencial de infectar seres humanos.

A ONG alemã de proteção à natureza Naturschutzbund (Nabu), com atuação global, classifica o comércio de animais silvestres como “receita para pandemias”. Quase a metade nas novas enfermidades zoonóticas registradas desde 1940 teve origem em alterações no uso das terras, da agricultura ou da caça. E entre elas está a biopirataria de animais selvagens ou de seus produtos – mesmo os de menor porte, como as formigas africanas.

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