
O mercado financeiro brasileiro passa por uma transformação estrutural silenciosa, mas profunda com a inovação das fintechs.
Empresas que nunca ofereceram crédito, que não operam como bancos nem nasceram com DNA financeiro, estão agora integrando serviços bancários às suas operações principais. É o que Leticia Mochioni, cofundadora da Finscale, chama de “movimento de bancarização das empresas” — e para ela, é apenas o começo.
“Se existe um intermediário numa transação, esse intermediário pode ser você”, afirma Leticia. A frase, que pode parecer simples, carrega uma tese estratégica com implicações enormes.
Isso porque, o que ela defende é que qualquer negócio que tenha relacionamento direto e recorrente com o cliente pode — e deve — assumir o papel de oferecer soluções financeiras próprias.
A jornada de Leticia Mochioni e a paixão por fintechs
A trajetória de Leticia começou com um estágio em uma software house. Ela trabalhava em marketing, mas logo foi absorvida pelas demandas práticas de projetos.
“Estagiário faz tudo. Eu atendia cliente, participava de reuniões, ouvia as dores e traduzia isso para o time técnico”, lembra. Portanto, foi nesse momento que percebeu seu papel como ponte entre tecnologia e negócio. Na época, não sabia que o mercado chamava isso de product manager.
A partir dessa vivência, ela cofundou a Finscale, empresa que se posicionou como pioneira no desenvolvimento de bancos digitais sob demanda. “A gente criou 50 bancos digitais em um ano. Era um momento de explosão. Todo mundo queria um banco”, relembra.
Mas o crescimento acelerado trouxe uma descoberta importante: a alta taxa de mortalidade dessas fintechs.
Muitos desses bancos não sobreviviam por falta de estratégia. “Não adianta ter a melhor tecnologia se você não tem clareza de como operar o modelo de negócio. Isso foi um divisor de águas para mim”, afirma.
Tecnologia e estratégia e operação na sua fintech
Leticia passou a assumir uma postura mais consultiva nos projetos. Mais do que entregar uma plataforma funcional, buscava entender o que fazia sentido para cada cliente.
“Eu percebia que muitos queriam uma fintech sem saber o porquê. Meu papel passou a ser sentar com o cliente e dizer: ‘não é isso que você precisa, é isso aqui’”, conta.
Esse posicionamento foi decisivo para o sucesso da Fscale, que acabou sendo adquirida pela D1/SaaS — joint venture da D1 com a maior integradora de tecnologia da América Latina.
Dessa forma, Leticia permaneceu na empresa por dois anos, período no qual se aprofundou no universo regulatório e de operação de grandes instituições financeiras.
“Foi quando completei o tripé: eu já tinha visão de produto e tecnologia, e ali me formei na parte regulatória. Isso me deu a clareza de que uma fintech precisa ser construída com muitos pilares, não só tecnologia ou comercial”, ressalta.
O nascimento da Finscale: estrutura para a nova era financeira
Ao sair da operação da empresa adquirente, Leticia decidiu fundar a Finscale, desta vez com um modelo baseado em recorrência e visão de ponta a ponta. “Eu sabia que o mercado estava mudando. As soluções engessadas não faziam mais sentido. Eu precisava estar ao lado do cliente do começo ao fim”, destaca.
A proposta da Finscale é clara: ajudar empresas de qualquer setor a modelar, construir, testar e escalar suas fintechs internas. Para isso, criaram o método MAPA — Modelagem, Aplicação do MVP, Posicionamento e Escala.
“Nosso diferencial está em entregar a estratégia junto com a operação. Isso porque, o cliente nos traz a ideia e a gente entrega a estrutura completa: licenciamento, integração com parceiros, modelo de negócios, e acompanhamento em tempo real”, explica Leticia.
Com apenas um ano de existência, a Finscale já atende mais de 100 empresas e projeta um faturamento de R$ 6 milhões em 2025. “A gente cresceu 10 vezes em menos de doze meses. E mais do que receita, o que validou nosso modelo foi a aderência à dor do mercado”, observa.
Por que toda empresa pode — e deve — virar uma fintech?
Leticia defende que empresas com base de clientes ativa e recorrente têm uma oportunidade clara de gerar receita adicional ao embarcar soluções financeiras próprias. “O banco tradicional concede crédito com base em relacionamento. Mas quem tem o relacionamento hoje são as empresas”, afirma.
Ela cita o caso de uma rede de escolas, cliente da Finscale, que sofria com inadimplência superior a 60%.
“A escola não podia simplesmente barrar os alunos. Então desenhamos com eles uma estrutura de crédito estudantil interno. Isso resolveu um problema financeiro e ainda fidelizou os alunos”, relata.
Além disso, outro exemplo é o das farmácias, que criam seus próprios programas de cashback, cartões private label e soluções de parcelamento para aumentar o ticket médio.
“Quem entende o cliente é quem está no balcão. Esses dados são valiosos. Quando bem usados, viram margem de lucro”, pontua.
O papel da regulamentação e a visão do Banco Central
Leticia também enxerga o papel do Banco Central como crucial nesse movimento. “A gente viveu uma fase de liberação total: qualquer um podia abrir uma conta, operar com cartão, etc. Agora, o BC está apertando o cerco — e com razão. Só vai ficar quem sabe operar com seriedade”, diz.
Dessa forma, ela acredita que o endurecimento das regras vai beneficiar quem está preparado: “Empresas sérias, com processos claros e modelo sustentável, vão crescer. E o mercado precisa disso. Estamos falando de lidar com dinheiro das pessoas”.
Capacitação feminina e protagonismo no setor financeiro
Outro eixo importante da atuação de Leticia é a formação de mulheres para o setor financeiro e tecnológico. Ela criou o programa “Fintech pra Elas”, que já ajudou diversas profissionais em transição de carreira.
“O mercado ainda é dominado por homens. Eu queria mulheres na área de produto, na estratégia, na liderança. Treinei e contratei muitas delas”, afirma.
Sendo assim, Letícia trás um caso emblemático que acompanhou. Uma ex-fisioterapeuta, que hoje atua como mentora de projetos na própria Finscale. “Ela só precisava de uma chance. Portanto, é disso que as mulheres precisam: oportunidade real e apoio técnico”, completa.
Segundo Leticia, apenas 3% das fintechs no Brasil têm mulheres na liderança. “Isso precisa mudar. E se eu tenho acesso, eu tenho responsabilidade de abrir essa porta”, diz.
Modelo escalável e personalizado: como a Finscale entrega resultado
A Finscale se organiza com times segmentados por setor (educação, saúde, varejo, crédito, entre outros). Cada cliente conta com um consultor exclusivo e acesso a reuniões semanais, conteúdo gravado, mentorias ao vivo e grupos coletivos de discussão.
“Nosso modelo permite lançar uma fintech do zero em três meses. Pois temos protocolos para acelerar processos que no mercado demorariam um ano ou mais”, afirma.
Ela também destaca que o trabalho é individualizado: “Cada empresa tem um terreno, um projeto. Nosso papel é ser o mestre de obras”, compara.
Visão de longo prazo: o que esperar da Finscale
Leticia projeta um futuro de crescimento contínuo para a Finscale, mas com os pés no chão. “A gente não tem nem um ano ainda. Mas já temos 115 clientes ativos e muita demanda reprimida”, afirma.
Mais do que números, ela destaca o impacto gerado: “Quando sentamos com o cliente e mostramos como ele pode melhorar resultado com estratégia, o retorno é imediato.”
Ela acredita que a tese de que toda empresa será uma fintech se consolidará nos próximos anos. “O Mercado Pago, por exemplo, representa 30% da receita do Mercado Livre. Isso é uma prova. Por isso, o crédito próprio virou diferencial competitivo”, analisa.
Em suma, ela finaliza com um convite à reflexão: “Democratizar o acesso ao crédito e à bancarização não é só um discurso bonito. É uma forma real de movimentar a economia, de gerar renda, de dar autonomia para quem está na ponta”.
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