Ernesto Rodrigues lança novo livro da trilogia sobre a TV Globo: ‘Tentou continuar fazendo boa TV sem cair de boca no popularesco’

Ernesto Rodrigues lança novo livro da trilogia sobre a TV Globo: "Tentou continuar fazendo boa TV sem cair de boca no popularesco" Vale Tudo

Capa do livro A Globo – Concorrência (1985–1998)
(Foto: Divulgação)

Não foi proposital, mas caiu como uma luva. Em abril de 2025, mês em que a TV Globo comemora 60 anos de existência e estreia o remake de “Vale tudo”, o jornalista Ernesto Rodrigues lançou o segundo volume de sua trilogia sobre a emissora: “A Globo – Concorrência (1985–1998)”. Depois de abrir a série com os bastidores da fundação e consolidação da rede, ele mergulha agora no período da redemocratização, das tensões políticas e da perda de hegemonia com a chegada de concorrentes como o SBT e a TV Manchete.

Em entrevista à Tribuna, Ernesto comenta os principais bastidores do livro, analisa a relação da Globo com o poder e com o público e antecipa temas do terceiro volume, previsto para o segundo semestre desse ano. Tudo com base em sete anos de pesquisa e acesso irrestrito ao acervo do Memória Globo, além de total liberdade editorial.

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Leia a entrevista completa com Ernesto Rodrigues sobre seu livro

Tribuna: Ernesto, você pegou um dos momentos mais quentes da história recente do Brasil e da TV — de 85 até o fim dos anos 90. O que te atraiu nesse período para fazer dele o foco do segundo livro? Como você enxerga o papel da emissora na consolidação da democracia após a ditadura?

Ernesto Rodrigues: Depois da volta da democracia, o jornalismo da TV Globo passou a ser mais utilizado na cobertura política do que na época da ditadura, houve um volume maior de reportagens e coberturas. Mas, ainda assim, a Globo, no período Sarney, Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique, continuou ainda em um tipo de cobertura de simpatia e de apoio ao governo, claro que de maneira diferente do que aconteceu na época da ditadura. Cobrindo mais, mas sem querer bater muito, sem querer adotar uma postura muito agressiva, sem usar um instrumental imenso que ela sempre teve de jornalismo – de capacidade de produzir material, de produzir notícia, de produzir jornalismo – de uma maneira militante contra o governo. Pelo contrário, de uma maneira simpática e na linha de ajudar o governo. Quando algumas coberturas eram negativas, como quando o próprio Collor começou a naufragar naquele mar de denúncias de corrupção, que levaram ao impeachment, até um certo momento, a Globo continuou tendo essa postura de governista no sentido de ser uma postura simpática, de ajudar e de não criar atrito com o governo.

Então, até no caso do Collor, teve um momento em que a Globo se rendeu às evidências, aos escândalos, e começou a fazer jornalismo como os outros veículos de imprensa estavam fazendo em relação ao Collor. Em uma análise muito geral, eu diria que a conduta dela, depois da democracia, embora tenha sido muito mais jornalística, mais intensa e quantitativamente maior, continuou sendo uma cobertura simpática aos então ocupantes do Palácio do Planalto.

No livro, você também fala sobre a cobertura da morte de Tancredo Neves. O que aquele episódio representou para o jornalismo da Globo?

Na época, eu era repórter e abri a minha matéria com “O Brasil amanheceu com o presidente eleito no hospital, o presidente militar saindo pelo fundo do palácio e o vice tomando posse no Congresso”. Foram 40 dias de um sofrimento, de uma cobertura muito sofrida, muito dramática, que eu tento reconstituir no livro. Foi um grande momento da equipe. Um momento em que os jornalistas que trabalhavam na TV Globo puderam mostrar o quanto eles eram profissionais, competentes, com muita capacidade de fazer um bom jornalismo. Eu acho que esse episódio desengessou a cobertura da Globo que, na época, era muito engessada com algumas preocupações que eu acho que até hoje são muito boas, de você ser sucinto, de não fazer matérias muito grandes, de tomar cuidado para os repórteres não aparecerem mais do que é a notícia. Esse episódio desengessou. E aí, digamos, o pioneiro, o cara que quebrou essas barreiras de uma maneira genial, foi o Carlos Nascimento.

O livro mostra os bastidores da primeira versão de “Vale tudo”. Por que essa novela se tornou tão emblemática?

Eu nunca fui um especialista em dramaturgia, em teledramaturgia, não, tá? Mas o que eu pesquisei, para fazer o livro nesses sete anos que eu estou fazendo essa trilogia, dá para ver que “Vale tudo” foi uma novela em que culminou um processo em que as telenovelas brasileiras foram desenvolvendo um jeito brasileiro de fazer que começou lá atrás quando elas deixaram de lado o padrão mexicano daquelas antigas e começaram a fazer com sotaque brasileiro, com cenários da realidade brasileira.

“Vale tudo”, além de ter uma história muito interessante […], tocava em assuntos que mexiam com o que estava acontecendo naquela época com o país na política e no próprio comportamento das pessoas. É uma novela muito rica no sentido de ser um retrato da sociedade brasileira daquele momento. E também um elenco maravilhoso, a Beatriz Segall foi sensacional, foi a maior vilã da história da televisão brasileira.

E o que você pensa sobre essa onda de remakes, como os de “Pantanal” e “Vale tudo”?

Às vezes dá certo, às vezes é um fiasco, como aconteceu tanto em Hollywood como aqui também, no caso da Globo. O remake do “Pantanal” foi um espetáculo. Outros remakes não deram certo, como “Selva de pedra”, que eu me lembro aqui, foi um tiro na água. Então, isso depende muito de como é feita essa releitura. Mas eu não acho que seja, como dizem, um sintoma do empobrecimento, sintoma do esgarçamento de uma fórmula. Eu não vou por aí, não. Há quem diga que Shakespeare contou todas as histórias humanas que podem ser contadas, levantou todas as questões humanas importantes que pudessem ser levadas para um palco de teatro.

Você fala de várias áreas da Globo no livro. Havia mais harmonia ou mais tensão entre jornalismo, dramaturgia, publicidade e esporte?

Nunca houve guerra interna a ponto de quebrar a hierarquia da empresa. Claro, houve disputas internas… Quando o Boni começou a perder poder […] houve uma disputa entre o Daniel Filho e o Mário Lúcio Vaz, que acabou vencendo.

Você relata disputas intensas por audiência, como o impacto de “Pantanal” e o surgimento do “Aqui Agora”. Você acha que esses choques influenciaram a forma como a Globo produzia conteúdo?

Totalmente. Eu costumo dizer que a Globo, ao longo da história, cresceu, se enriqueceu, em todos os sentidos, e evoluiu, e o povo brasileiro não foi na mesma medida, entendeu? Então, eu acho que o que aconteceu ali na virada do século, e esses programas, esse jornalismo popularesco que as redes concorrentes adotaram. O SBT e a Record foram investindo nos novos donos de televisores, já que, com o plano real, aumentou muito a quantidade de televisores nas classes D e E, e aí as redes que investiram no jornalismo policial, popular, começaram a ganhar muito essa audiência. Mas aí teve um momento em que a classe média brasileira também não cresceu como se esperava e a Globo teve que começar a se preocupar com a receita publicitária das classes C, D e E e, consequentemente, a audiência dessas classes. O drama da TV Globo passou a ser o de fazer algo popular sem virar popularesco. A Globo tentou continuar a fazer algo de boa qualidade, popular, em vez de cair de boca e repetir tudo que as redes, que o SBT e a Record, faziam. […] A Globo não teve nenhum Aqui Agora.

Como jornalista e autor, o que mais te emocionou e te surpreendeu ao mergulhar nesses bastidores da Globo entre 1985 e 1998?

A minha maior emoção foi trazer para o plano da realidade histórias sensacionais e verdadeiras, e não as lendas e teorias da conspiração que existiam e que ainda existem sobre a TV Globo. Então, para mim, ver a matéria-prima maravilhosa e jornalística que estava, de certa maneira, não escondida, mas guardada em muitos depoimentos foi muito emocionante.

Os bastidores todos da cobertura política, da lenda, todos os episódios controversos, e que muita gente dizia: nossa, você vai falar sobre isso como se eu fosse mexer na caldeira do diabo. “Você vai fazer um livro sobre o globo? Vai falar sobre as diretas? Vai falar sobre Proconsult? Vai falar sobre o Collor? Vai falar sobre o ACN?” Aí, o que eu fiz? Fui perguntando sobre isso para todas as pessoas e foram aparecendo histórias. Isso é que é sensacional.

Para fechar: qual foi a grande virada na história da Globo que mais ajuda a entender o que ela representa hoje?

Eu acho que a grande virada foi o início dela, eu acho. Teve uma circunstância histórica que ajudou, que foi o dinheiro inicial que ela teve do Time Life (empresa norte-americana). Mas também teve ali uma revolução que foi empreendida pelo Walter Clark, que revolucionou a grade de programação e a relação com os anunciantes. Ele, através da área comercial da Globo, começou a tirar das revistas e jornais os grandes anunciantes de elite e levar para a Globo, porque até um determinado momento a publicidade da TV era o supermercado, uma coisa de varejão.

Alguma sugestão ou comentário sobre o livro?

Sim, muita gente vai pegar o livro e falar “Nossa, 700 páginas? Eu não vou ler isso… Nossa, são dois? Não, são três?!” O que eu queria dizer sobre o livro é o seguinte: para as pessoas não se assustarem, darem uma olhada no sumário dos livros, porque não é um sumário burocrático, com título e número de página, ele tem uma “manchetinha”, que dá para você ver sobre o que se trata. E eu escolhi de uma maneira que, embora obedeça a uma cronologia histórica, você pode pegar cada episódio, cada capítulo e ler quando sentir vontade. Tem aquela característica de almanaque, mas também com o compromisso de um documento cronológico, de um documento histórico e jornalístico.

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