Lições no mito de Sísifo

Por Nicolas Calister

O mito de Sísifo conta a história de um rei que, pelos seus crimes em vida, é punido pelos deuses. Ele recebe a tarefa de rolar uma pedra acima de uma colina. Toda vez que está próximo do topo, a pedra lhe escapa, retornando ao início da colina. Sua punição não é relembrada por alguma violência peculiar, mas sim pela familiaridade com nossas experiências individuais. A situação de Sísifo nos remete à nossa própria condição de vida. Devido às demandas inerentes à vida no mundo contemporâneo, podemos nos sentir exaustos e sem real propósito, como se todos os dias carregássemos pedras acima da colina, condenados a repetir tarefas sem significado ou resolução.

Seria essa então a interpretação final do mito, apenas uma representação da angústia humana? Poderíamos talvez buscar respostas maiores? Por vezes, alguns pensadores argumentam que Sísifo acaba encontrando felicidade em sua tarefa, uma conformidade. Outros argumentam que a tortura de Sísifo retrata uma realidade desconfortável: nada que fazemos, nenhum esforço, importa ou tem significado. Proponho que nem na conformidade tampouco no niilismo encontramos a saída.

Para extrair totalmente as lições do mito, precisamos identificar o que nos aflige em sua história. O que há de tão tortuoso na pedra que Sísifo leva acima da colina? A primeira hipótese poderia ser a natureza absurda e exaustiva do trabalho, afinal carregar uma pedra pesada acima de um declive não é tarefa fácil. Porém, a humanidade sempre se mostrou movida e fascinada por tarefas difíceis, desde a construção de pirâmides ao pouso do ser humano na lua. Apreciamos as tarefas absurdas, não fugimos delas. A segunda hipótese é de que somos afligidos pela não resolução da tarefa. Sísifo nunca conclui seu trabalho, pois a pedra rola colina abaixo sempre que está próximo do topo. Novamente, argumento que a humanidade não teme tal irresolução, pelo contrário, encontra nisso uma fonte de oportunidades. Um músico nunca terá aprendido todas as composições possíveis, nem todos os instrumentos, e algo análogo pode ser dito para o pintor, ou o artista marcial. Isto não os proporciona infelicidade, apenas os instiga a se aprofundar ainda mais em sua arte.

O conflito aparenta ser quanto a natureza da pedra. Sísifo não escolheu a pedra, ou a colina, ou quantas horas dedicar a sua tarefa, etc. Ele foi encarregado de uma pedra cujo único propósito é fazê-lo sofrer. Logo, ele não se assemelha ao músico, pois sua tarefa lhe foi imposta, não escolhida. Podemos concluir então que somos intrigados pelo mito de Sísifo pois nos encontramos, durante toda nossa vida, carregando pedras colina acima. Somos compadres infelizes de Sísifo, ou pelo menos assim nos sentimos. Entretanto, argumento que nossa infelicidade, mais comumente, terá origem na natureza de nossas pedras.

Analisemos então a condição de nossas vidas. Nossa condição é cíclica. Todos os dias acordamos, temos de manter nosso corpo vivo por alimento e cuidados físicos, de trabalhar, de cuidar da casa e manter contatos sociais, assistir relacionamentos iniciarem e terminarem. Gastamos tempo em coisas efêmeras em uma tela de celular, que nem nos recordamos momentos depois. Nossas pedras escorregam pelos nossos dedos, assistimos elas rolarem colina abaixo, infelizes. Em geral, não podemos mudar a natureza repetitiva do nosso viver. Não há fuga também da dificuldade oferecida por tal viver. Viver é difícil, continuar vivo exige autocuidado, relações exigem certa dedicação e investimento de tempo, e nosso trabalho nos exigirá mais esforço enquanto respirarmos bem. Se desejamos viver felizes, podemos apenas escolher as pedras que carregamos. Não conseguimos carregar apenas o que nos alegra, mas é possível buscar nos livrar de uma boa parte das que nos desagradam sem real finalidade.

Devemos então filtrar em nossa vida quais pedras realmente desejamos carregar, e quais apenas sugam nossa energia, sem benefício algum para nosso bem ou nossa harmonia com nosso viver em si. Porém, não devemos cair na armadilha de simplesmente fugir das tarefas difíceis. O ócio pode nos envenenar também, além de nos tirar o propósito de seguir em frente. Tudo que é benéfico vem também com suas exigências, como o esforço e tempo investido. A diferença entre a pedra boa e maléfica é encontrada na finalidade das ações. Não há um fim que lhe sirva em gastar seu dia nas redes sociais. O mesmo não pode ser dito sobre se dedicar a fazer uma boa manutenção de suas amizades e relações familiares. É necessário que façamos a seleção de algumas pedras e colinas, e nos ponhamos a trabalhar nelas, sabendo que será cíclico, interminável e laborioso, mas gratos por tal natureza, pois escolhemos tarefas que nos agradam.

Agora, o que tudo isso significa na prática. Devemos olhar nossa vida, nossa rotina, nossa identidade, nosso trabalho, emoções, relacionamentos, etc., como pedras que carregamos durante nosso viver. Se analisarmos estas pedras individualmente, veremos quais partes delas são realmente necessárias ou úteis, e quais nos foram impostas, sem nos beneficiar de qualquer forma. Você talvez não consiga se livrar da necessidade de um meio de locomoção e de um parceiro amoroso, mas pode se livrar da ânsia pelo melhor carro e não só pode como deve se livrar de relacionamentos abusivos ou disfuncionais. É implícito ao que proponho que não devemos criar a expectativa de vivermos isentos de obrigações, desapontamentos e necessidades.

Olhe para dentro de si, veja quais emoções, quais comportamentos, padrões e pensamentos não são realmente necessários, mas que lhe custam energia e tempo. Não invista seu tempo preocupado em agradar o outro ao ponto de servidão, não dedique seus dias consumindo produtos, mídias e estilos de vida alheios. Não esconda seus desejos ou sua sexualidade, não guarde no fundo da sua mente traumas que carrega desde a infância. Estas são as pedras que você nunca escolheu carregar. Não invista mais seu tempo nelas. Trabalhará mais para gastar mais, terá o que lhe convenceram que você deveria desejar, e continuará infeliz. Fingindo bem, conseguirá moldar-se a imagem padrão que esperam de você, e ainda se sentirá inadequado. Não há motivos para viver desta forma.

Verá que, ao livrar-se de algumas das cargas que tanto nos cansam, podemos ver mais claramente as tarefas que realmente nos interessam, as quais não nos faria infeliz poder repetir eternamente. É compreensível que nem sempre consigamos em nosso trabalho, nossa fonte de sustento, ter contato com o que realmente nos interessa, mas isso não nos impede de embarcarmos, no tempo que nos resta, em novas jornadas, como um novo hobby, uma nova arte, uma nova meta, um tempo de melhor qualidade com nossa família. Saia de casa quando o clima lhe agradar, monte na bicicleta, descubra álbuns ou quadros novos, levante pesos mais pesados, busque uma faixa preta, etc. O tempo vai passar de qualquer forma, então que ele seja dedicado as coisas nos deem orgulho e alegria. Ao dedicar seu tempo e energia para seus hobbies, artes, esportes, metas pessoais, tudo que lhe realmente agrade, não se importará com a dificuldade da tarefa interminável que é viver.

AUTOR: Nicolas Calister
E-mail: [email protected]

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