Responsável pelo “inquérito-mãe” da Operação Sem Desconto, que mira a ligação de servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com um esquema bilionário de fraudes contra aposentados, o procurador da República Hebert Mesquita considera remota a perspectiva de usar recursos bloqueados de associações e dirigentes da autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social para ressarcir as vítimas dos descontos indevidos.
“É uma vergonha para o País. Tudo isso era evitável, tudo isso foi avisado, tudo isso foi mostrado. É possível que muitos credores não vejam esse dinheiro, se depender do ressarcimento dos criminosos”, afirmou em entrevista ao Estadão. Segundo ele, os recursos desviados dos aposentados dificilmente vão ser alcançados pelo inquérito, uma vez que, assim que entrava nas contas, o dinheiro desviado era sacado e pulverizado, o que dificulta o sequestro de ativos. “Os cofres dessas pessoas estão todos esvaziados.”
Nesta semana, houve desdobramento da Operação Sem Desconto, mirando um operador financeiro. É um personagem importante do esquema?
Vou explicar rapidamente o funcionamento da operação. A investigação-mãe está comigo na 15.ª Vara Federal do Distrito Federal. Ela diz respeito ao núcleo administrativo, os servidores do INSS. O foco é corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes envolvendo agentes públicos. Além dessa investigação principal, várias outras foram instauradas Brasil afora, com foco nas entidades. A gente não chegou, nesse começo da investigação, à prova de que todas as entidades pagaram propina ao núcleo administrativo. O que a gente percebeu é que alguns personagens, ligados a uma ou algumas entidades, provavelmente pagaram propina. Isso fez com que a operação fosse fatiada. Foi instaurado um inquérito para cada entidade, tudo a depender de onde está sediada essa entidade. Essa operação (de quarta-feira) foi sobre a Conafer, que é sediada em Brasília. Essa investigação está fora da minha atribuição. O que esse inquérito-mãe vai fazer é fornecer subsídios para o conhecimento de cada um desses casos, de como era o contexto amplo dos descontos do INSS.
No âmbito da apuração do sr., ela contempla o papel do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto e do ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi?
Há duas investigações comigo. Essa mãe e uma outra investigação que é sobre a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares). A investigação-mãe partiu do seguinte. Essas denúncias começaram a se multiplicar em 2024. Isso passou a ter repercussão na mídia e, até então, as provocações do Ministério Público ao INSS, com viés não criminal, mas de tutela coletiva, não surtiram efeito. O INSS vinha chancelando que aqueles acordos estavam válidos e era um sistema lícito. Aí veio aquele trabalho técnico da Controladoria-Geral da União, que foi a prova de que os descontos estavam sendo indevidos. E aí, no ano passado, começou a investigação desses casos. Os RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) solicitados ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) foram o ponto de partida. O Coaf começou a mostrar movimentações financeiras de pessoas ligadas a representantes dessas entidades, e empresas ligadas a parentes de servidores do INSS. O então ministro Lupi não apareceu nessa relação.
E sobre Stefanutto?
Precisamos fazer uma divisão sobre os elementos em relação a Stefanutto. Os elementos até a deflagração da operação e o que vier a aparecer de indícios a partir da análise dessas buscas. Até aquela busca, os elementos convenceram o juiz a autorizar as buscas e outras medidas. Feitas as buscas, vem o trabalho de analisar o material apreendido. Celular, computador, vem a quebra de sigilo bancário. Toda essa parte deve vir ou não a partir da análise dessas buscas que vêm sendo feitas pela Polícia Federal.
O MP trabalha com qual capitulação penal?
Estamos trabalhando no inquérito-mãe com as hipóteses de lavagem de dinheiro, organização criminosa, corrupção. E, nos inquéritos desdobrados, com as hipóteses do artigo 313-A (peculato eletrônico), sem prejuízo de organização criminosa específica naquela entidade e lavagem de dinheiro.
O MPF defende o ressarcimento dos aposentados com recursos de entidades e servidores envolvidos?
O problema é que, como em boa parte dessas entidades investigadas havia pessoas com pensamento e atitude criminosos, esses recursos dificilmente vão ser alcançados pelo sequestro de bens que foi definido pela grande maioria dos juízes. O dinheiro que entrava era sacado e começava a ser pulverizado. O que o Ministério Público quer é que haja ressarcimento, mas com cuidado. Em Direito, tem uma máxima que fala que quem paga mal paga duas vezes. Não é chegar e sair largando dinheiro. A pressa em ressarcir traz seu risco. E outra, o ressarcimento em uma ação penal é a fase final, confirmada em definitivo a condenação. Essas pessoas vão ficar esperando quantos anos? Nós desejaríamos pegar todos os bens das pessoas, mas os cofres estão esvaziados porque o dinheiro entrava e saía. É uma pena muito grande isso estar acontecendo. É uma vergonha para o País. Tudo isso era evitável, tudo isso foi avisado, foi mostrado. É possível que muitos credores não vejam esse dinheiro se depender do ressarcimento dos criminosos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O post ‘É uma vergonha para o País. Tudo isso era evitável’, diz procurador sobre fraudes no INSS apareceu primeiro em ISTOÉ DINHEIRO.