Conheça Érika Senra: mestre do tear secular e papeleira desde os anos 1990

Érika Senra

Érika Senra
Érika Senra é considerada mestre dos saberes gerais e tradicionais (Foto: Arquivo pessoal)

Aos 20 anos, Érika Senra descobriu que estava grávida de gêmeas. Na época, estava no curso de Comunicação na universidade e precisava saber o que faria a seguir, para conseguir trabalhar com crianças em casa. Em 1987, então, foi até Conceição do Ibitipoca aprender o tear secular, tradição da vila há muitos anos. Nunca mais parou: o material, que ocupa uma mesa inteira, fica bem no centro de sua sala, onde trabalha e concilia os cuidados com a casa e a família. Nos anos seguintes, também se dedicou a aprender a mexer com papel reciclado, sendo capaz de transformar folhas de bananeira ou filtros de café usados em luminárias, cadernos personalizados ou artes para enquadrar. Desde então, exerce um trabalho que reaproveita de tudo e transforma materiais em arte, sendo também responsável por manter um saber tradicional e por passar para novas gerações a arte que foi tão revolucionária em sua vida.

erika senra
Com papéis reciclados ou tear manual, Érika Senra busca levar identidade (Foto: Arquivo pessoal)

A ideia de ir para Ibitipoca aprender o tear veio da própria observação, de quem ia para lá passear, e via o material enorme de madeira sendo manuseado pelas mulheres da vila. Ela aprendeu com Benevinda Pacheco, sua mestra, mas resolveu inovar: “Eu via aqueles trabalhos maravilhosos em tapetes ou colchas, e pensei que podia fazer como peças de vestuário e acessórios”. Ela então passou a fazer de tudo, desde cachecol a biquini, inclusive vendendo coleções inteiras para marcas como Cantão e Totem. “Virou uma cachaça pra mim. Eu começo e fico querendo mais, ver como vai acabar.” Ela também passou a usar tecidos velhos e algodão rasgado para suas criações, que atualmente vende em seu Instagram (@erika_senra_santos). Por esse trabalho, ela também foi reconhecida pelo Prêmio Saberes Gerais da Lei Paulo Gustavo e do Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais.

Já o trabalho com os papéis recicláveis começou quando fazia uma atividade de manejo junto a arquitetas e percebeu que elas conseguiam aproveitar tudo ao redor: usavam as mangas perto de vencer para chutney e faziam licores de jabuticaba. O reaproveitamento do papel, então, foi uma forma de colaborar com isso e de fazer um artesanato realmente sustentável — o que continua buscando, desde as embalagens para presente até outras práticas do dia a dia. Para isso, inclusive bate os pedacinhos de papel no liquidificador e faz testes até chegar às composições que mais gosta de criar. Seu trabalho com as luminárias, mais recentemente, fez com que precisasse reinventar materiais que conhecia e explorasse novos formatos.

Durante essas atividades, também foi conciliando o trabalho de artesã com o de professora de yoga e oficineira. Já foram dezenas de atividades voltadas para o tear e para a papelagem, sempre com a percepção de que é preciso passar o conhecimento para frente, até mesmo para qualificar o artesanato local. Ela se preocupa, por exemplo, do conhecimento sobre o tear acabar, e de não ter mais mulheres no distrito que façam essa prática como antes. “Eu gosto de ensinar a fazer papel reciclado, mas só isso não basta como fonte de renda. É preciso pensar como transformar isso em objetos, como caderninho ou luminária.” O que importa, também, é ir entendendo como deixar cada objeto com uma identidade, assim como ela procura fazer.

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Um trabalho feminista

Érika Senra
Misturas e parcerias com outras mulheres também são marcas de seu trabalho (Foto: Arquivo pessoal)

Com todos esses anos de trabalho no artesanato, ela também foi percebendo que as mães solos eram a camada mais empobrecida da população, e notava bem os desafios extras aos quais essa população é submetida. “Eu fui ficando cada vez mais feminista. (…) Com o Dia das Mães se aproximando, sempre incentivo que presenteiem algo de uma mãe para outra mãe”, destaca. Paralelamente a isso, também foi fortalecendo o seu laço com outras mulheres, por meio de trabalhos em parceria, como é o caso dos trabalhos com Flávia Almeida e com Letícia Nogueira.

A busca constante por formação na área e por dar destaque ao tear fez com que ainda fosse procurando especializações paralelas. “Comecei a relacionar o tear também com a literatura, porque é a base do texto. Fundidora, trama, novela/novelo, por exemplo, são termos que mostram essa relação. E os dois são esse criar tão bonito”, diz.

Caminhando contra o vento

Érika me conta que, quando a chamei para participar da coluna “Sem lenço, sem documento”, logo pensou na música do Caetano Veloso e no verso anterior que, para ela, faz ainda mais sentido com sua trajetória, em que ele entoa “caminhando contra o vento”. É assim que se sente ao ter ido para uma pequena vila aprender uma arte que, como percebe, até mesmo muitas das filhas daquelas artesãs não quiseram aprender, para irem para as cidades grandes; ou como também atua no momento, indo na contramão das produções em massa e padronizadas.

O que começou quando ela se tornava mãe, agora continua aos 58 anos, quando já é inclusive bisavó. A necessidade de olhar para as mulheres artesãs em sua vida se dá inclusive por perceber que, com o tempo de trabalho e a falta de incentivo público, é normal que as artesãs tenham problemas na coluna e precisem de mais apoio para continuar seus trabalhos. Para evitar isso, conta que também tem uma rotina de peso na academia, fazendo musculação, o que ajudou que pudesse sempre continuar. Relembra o verso do Batuque dos Gerais, que a embalaram no começo e que continuam como som de suas vontades: “O tear/ O tear/ O tear/ quando pega pra tecer/ vai até o amanhecer”.

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