

Caio Blat esteve em Juiz de Fora nesta terça-feira (29) para a exibição de “O debate”, seu primeiro longa como diretor, seguida de uma conversa com o público sobre a obra. Mas não é a primeira vez do artista na cidade. Sua estreia como ator de cinema, em “Lavoura arcaica”, filmado em 2001 por Luiz Fernando Carvalho, já o levou para as terras mineiras, em uma das fazendas que rondam a cidade. Durante a visita ao Mercado Municipal, onde o artista também fez questão de falar que comprou queijos e doces, ele contou as vantagens da estrutura que Juiz de Fora tem e as possibilidades que enxerga com a criação do polo de audiovisual, no qual seu filme, “Cacilda”, será o primeiro a receber o apoio e terá filmagens no Cine-Theatro Central. O ator também refletiu sobre a importância do amor e da política, os caminhos de um artista e as possibilidades que o trabalho coletivo do cinema proporciona.
A trajetória de Caio Blat se voltou novamente para o município da Zona da Mata quando, ao receber o roteiro de Jorge Furtado e Guel Arraes do filme “O debate”, precisava de uma estação de estúdios de TV para filmar, já que o filme conta a história de dois jornalistas, às vésperas da eleição presidencial, discutindo política (e a própria relação) enquanto executam um importante debate. A alternativa que Abdon Neto sugeriu, então, foi da TV Diversa. “Juiz de Fora tem um cenário bem preservado, dá para filmar na área rural ou nos prédios antigos. E ainda tem a vantagem da proximidade do Rio de Janeiro”, conta. No filme que foi sua verdadeira “formatura” como diretor, depois de dar pitaco em obras como “Grande sertão veredas”, filmado pouco antes, ele entende que foi um verdadeiro aprendizado, e que precisou de um olhar de como transformar os diálogos escritos para o teatro em cinema, de uma forma que os assuntos conversados fossem sendo relembrados.
A obra foi feita com prazo curto: foram cerca de dois meses de filmagem e mais dois meses até que o longa entrasse em cartazes. Isso porque, como ele explica, a intenção era que o filme pudesse trazer reflexões importantes antes da decisão presidencial de 2022. “Estávamos saindo de uma pandemia e achamos que, como artistas, tínhamos que fazer um filme debatendo o que estava acontecendo”, explica o diretor. Por isso, ao longo do debate feito no filme, temas como a pandemia de Covid-19, alterações na economia e pautas de costume aparecem com intensidade. E o conflito entre liberdade e segurança também — não só na política, mas também no amor. O casal protagonista, interpretado por Débora Bloch e Paulo Betti, está enfrentando uma separação após 17 anos juntos.
A trama acontece quando eles ainda precisam trabalhar juntos em ritmo frenético e buscar um equilíbrio para suas visões, enquanto também estão se separando. Por isso, antes da exibição, ele adianta ao público: “Vamos reviver todo aquele pesadelo”. O filme, que carrega muitos de seus objetos no cenário, como conta, também virou algo que reflete muito bem quem ele é: “Acho que o amor e a política são os dois temas mais importantes do mundo”. O diretor e ator não escondeu, inclusive, que foi emocionante ver o filme mais uma vez, e também relembrar do momento que filmou e até da própria separação, enfrentada recentemente após o fim do casamento com Luisa Arraes. “Acredito que a separação de um casal não deve ser uma despedida, eu acho que a separação é uma mudança de fase. As pessoas que se amam têm sempre que ficar próximas”, reflete.
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A primeira dama
Essa visita a Juiz de Fora acontece em um momento em que o ator está estreitando ainda mais os laços com a cidade para dirigir o longa “Cacilda”, que conta a história da atriz Cacilda Becker, considerada a primeira dama do teatro brasileiro. “É um filme sobre as pessoas que inventaram a minha profissão, que abriram, no Brasil, caminhos para que eu pudesse ser ator. Cacilda foi a primeira atriz a exigir ser registrada e contratada, essa profissão não era legalizada. Ela foi presidente da Associação dos Produtores Teatrais, lutou contra a censura, trouxe a irmã junto com ela para o teatro. (…) De alguma maneira, ela modernizou todo o teatro brasileiro”, explica Caio, sobre o que motivou o seu interesse por ela. As cenas na cidade vão ser filmadas no Cine-Theatro Central, que ele considera “uma verdadeira joia” preservada.
A importância de Cacilda Becker é tamanha, para os caminhos que o teatro seguiria, que foi também ela a responsável por trazer textos modernos fundamentais para o teatro, como os de Suassuna, Ionesco, Beckett, Tennessee Williams e Sartre. “É inacreditável a quantidade de peças modernas, importantes e clássicas que essa mulher, em poucos anos de vida, produziu. Ela foi uma obcecada pelo teatro, dedicou a sua vida toda ao teatro e morreu em cena”, conta. Mas Cacilda, como ele explica, é uma atriz que também precisa ser resgatada para celebrar sua história. “Estava na hora de resgatar essa diva, esse mito, porque como ela fez pouco cinema e tem pouco registro das peças dela, há toda uma geração que nunca viu Cacilda, que não sabe como ela era. Estamos fazendo um resgate histórico, uma homenagem, mas também uma pesquisa, porque somos um grupo de atores, jovens, que estão homenageando seus precursores.”

Um ator político
Não é difícil falar o quanto Caio Blat é um ator político: não só no sentido de caracterizar sua profissão, mas também de se referir à vontade que ele tem de participar das decisões públicas e provocar (novos) debates. Também por isso faz parte de uma geração de atores autores, com filmes também bastante políticos, como é o caso de Lázaro Ramos e Wagner Moura, que lançaram no mesmo ano “Marighella” (2022) e “Medida provisória” (2022). Em um dos seus trabalhos mais recentes, a novela brasileira da HBO “Beleza fatal”, Caio também foi uma voz ativa em relação à necessidade de regular os direitos conexos no Brasil, em que os atores devem receber pelo direito de sua imagem quando uma produção audiovisual for exibida ou reexibida em streaming ou qualquer outro veículo.
Em entrevista à Tribuna, ele também falou sobre a importância da regulação dos streamings, por entender que o público quer produtos com DNA brasileiro de qualidade em cartaz. E, também por essa mesma lógica, faz questão que, em terras juiz-foranas, conte com a parceria de equipes, estudantes e atores da cidade que possam colaborar com seu projeto. “Com meu primeiro filme aprendi tanta coisa, aprendi a lidar com uma equipe grande, a fazer concessões, e que o filme não é do diretor. O filme é de todos, e temos que tentar conciliar todas essas visões, como comandar uma equipe com generosidade, escutando todo mundo”, diz.
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