Em 2018, Anna Kendrick e Blake Lively uniram forças para dar vida à dramédia ácida de mistério ‘Um Pequeno Favor’ – que, sem quaisquer ambições, se tornou um dos filmes mais elogiados do ano e trouxe às telonas o melhor de um competente time criativo e técnico, guiada pelas hábeis de Paul Feig. Agora, sete anos mais tarde, somos convidados a retornar para uma inesperada sequência que chegou no último dia 1º de maio ao catálogo do Prime Video – e que, apesar das boas intenções, não conseguiu cumprir com o prometido ao se apoiar em uma história exagerada demais para ser levada a sério.
Cinco anos depois dos eventos do filme predecessor, Stephanie Smother (Kendrick) ganhou fama ao se tornar uma vlogger sobre crimes reais e uma autora que transformou um traumatizante capítulo de sua vida em um best-seller. E, acreditando que as coisas haviam voltado ao normal, Stephanie vê seu mundo virar de cabeça para baixo mais uma vez quando, durante uma das leituras promocionais de seu romance, Emily Nelson (Lively) aparece, recém-libertada da prisão, e a “convida” para ser sua dama de honra no casamento do século – exigindo sua presença caso não ela não queira receber uma intimação judicial por uso de imagem indevida e calúnia.
Vendo-se em um beco sem saída, ela aceita o convite e viaja com sua assistente, Vicky (Alex Newell), até a idílica e paradisíaca ilha de Capri, na Itália, onde Emily se casará com o poderoso chefe da máfia local Dante Versano (Michele Morrone). Reencontrando-se com Sean Townsend (Henry Golding), ex-marido de Emily que, por algum motivo, também foi chamado para o casamento ao lado do filho Nicky (Ian Ho), Stephanie apenas aguarda o momento em que toda aquela fachada cairá e sua antiga melhor amiga irá mostrar quem realmente é – fazendo constantes piadas sobre o perigo iminente em que está para seus seguidores.
Eventualmente, suas preocupações se concretizam quando Sean é assassinado no quarto de seu hotel e, no dia do casamento, Dante também é morto – ambos por uma figura misteriosa que Stephanie acredita ser Emily. Porém, as coisas saem do controle quando a protagonista se torna a principal suspeita, incrédula de que foi uma atraída para uma armadilha muito bem orquestrada antes de finalmente descobrir a verdade por trás de sua viagem a Capri e um série de homicídios que desejam, mais do que nunca, encarcerá-la para o resto da vida. A princípio, acreditamos estar diante de uma clássica história de vingança que traz tropos familiares do mistério e do suspense à tona, mas Feig resolve transformar uma simples história em um amontoado de reviravoltas que não faz sentido e que é ocasional demais para ser palpável ou aprazível.
O realizador se une ao roteiro de Jessica Sharzer e Laeta Kalogridis para exaltar personagens que ganharam uma legião de fãs e sagraram o longa-metragem como uma espécie de clássico cult instantâneo; todavia, essa preocupação derradeira em honrar o filme original dá margem para uma quantidade exorbitante de tramas e subtramas que nunca são finalizadas por completo e que apenas deixam o desenrolar da trama árduo e desnecessariamente complexo. Afinal, as explorações sobre maternidade são deixadas de lado para incursões narrativas que envolvem a máfia, como já mencionado, além de golpes monetários, familiares perdidos e romances ocultos que introduzem tantos ineditismos que acompanhá-los torna-se um trabalho difícil e cansativo.
Lively faz um bom trabalho ao retornar como a psicótica e imponente Emily, mas é Kendrick quem rouba a atenção com uma despojada performance como Stephanie, entregando mesmo os diálogos mais ácidos e cafonas com uma sinceridade inegável e que mostra que a atriz está se divertindo como nunca. Todavia, a presença de nomes como Allison Janney, Elena Sofia Ricci e Elizabeth Perkins (esta substituindo Jean Smart como Margaret, mãe de Emily) são desperdiçados em um amontoado de falas regurgitadas de qualquer cartilha de obras do gênero, que transmutam seus respectivos personagens em clichês vencidos e tirados próprios de qualquer novela italiana medíocre.
O trabalho artístico também não parece muito inspirado: a fotografia de John Schwartzman reflete a beleza e a ostentação da vida dupla que acompanha o luxo de Capri e os perigos da máfia, mas desliza ao esbarrar inúmeras vezes em um panfletarismo barato que não condiz com a atmosfera das cenas ou com a jornada das protagonistas; a trilha sonora de Theodore Shapiro traz alguns elementos explorados em outras obras que assinou, retornando à cadeira de compositor e trazendo aspectos esquadrinhados em outras obras de sua discografia para deixá-la mais caprichosa e brilhante em arranjos convencionais e práticos.
‘Outro Pequeno Favor’ vale a pena caso não se leve a sério e conta com atuações muito bem-vindas de Lively e Kendrick. Entretanto, para além do valor de entretenimento, o filme emerge como uma sequência que não consegue justificar sua própria existência.