São Paulo, 30 – A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) ingressou com ação civil pública questionando a legalidade da Moratória da Soja e exigindo indenização das principais tradings do agronegócio e associações setoriais. A ação, protocolada na Vara Especializada em Ações Coletivas de Cuiabá, mira 33 réus, incluindo as multinacionais ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus, além da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
A petição, assinada por diferentes advogados, classifica a Moratória como “restrição anticoncorrencial, ilegal, abusiva e inconstitucional” e busca o fim das exigências impostas pelo acordo. A entidade também incluiu quatro dirigentes dessas associações no polo passivo: André Meloni Nassar e Bernardo Pires, da Abiove, e Sérgio Castanho Teixeira Mendes e Pedro Bernt Eymael, da Anec.
No centro da disputa está o acordo firmado em 2006 que proíbe a compra de soja cultivada em áreas do bioma Amazônia desmatadas após julho de 2008, independentemente se esse desmatamento ocorreu dentro dos limites permitidos pelo Código Florestal brasileiro. A legislação ambiental autoriza supressão de até 20% da vegetação em propriedades na Amazônia, mas a moratória impõe restrição total. “Os atos praticados pelos réus no âmbito do acordo setorial denominado Moratória da Soja consistem em ilícitos anticoncorrenciais, violando diversas regras do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência”, argumenta a Aprosoja-MT na ação. A associação acusa as empresas de formarem um cartel que controla mais de 95% das exportações brasileiras de soja.
Um dos aspectos mais controversos apontados na ação é a seletividade do acordo. “Caso determinado produtor proceda com a plantação de outra commodity (como o feijão ou arroz, por exemplo) em área que foi aberta nos termos do Código Florestal, a proibição imposta de forma abusiva pela Moratória da Soja não se aplicaria e as mesmíssimas tradings adquiririam essa outra commodity oriunda da mesma área cuja produção é vedada para a soja”, destaca a petição.
A ação cita ainda a existência de “listas de restrição secretas, controladas e compartilhadas apenas entre as tradings” que incluiriam produtores considerados não conformes com as regras da moratória. “Por meio dessas listas de restrição, alimentadas sem a participação do produtor rural, com parâmetros e critérios de inclusão e exclusão absolutamente desconhecidos, as tradings vêm atuando de forma coordenada/conjunta para não adquirir a soja de determinados sojicultores”, denuncia.
A Aprosoja-MT sustenta que o impacto da restrição é amplificado pelo compartilhamento dessas listas com outros atores da cadeia do agronegócio, como financiadores, distribuidores e fornecedores de insumos agrícolas, prejudicando não apenas a venda da produção, mas até mesmo o plantio.
Um componente significativo da argumentação é a questão da soberania nacional. A entidade enfatiza que o pacto é comandado por empresas de capital estrangeiro, citando especificamente que a Cofco é controlada pelo governo chinês e a Louis Dreyfus tem 45% de seu capital controlado pelo fundo soberano de Abu Dhabi (ADQ). “A soberania, não bastasse também ser fundamento da República, é princípio que condiciona a livre iniciativa e que a coloca a serviço da garantia de uma existência digna e autônoma”, destaca a ação.
A associação pede que a Justiça determine a cessação imediata das práticas relacionadas à Moratória da Soja, reconheça sua inconstitucionalidade e condene as empresas ao pagamento de indenizações por danos materiais e morais coletivos. A ação cita como precedente o Tema 999 do STF, que estabelece o dever de indenizar proprietários que sofrem limitações por restrições ambientais.
A ação chega à Justiça um dia após o ministro do STF Flávio Dino ter reconsiderado parcialmente liminar anterior e restabelecido o artigo 2º da Lei Estadual 12.709/2024 de Mato Grosso, que impede a concessão de benefícios fiscais a empresas que exijam requisitos ambientais além dos previstos na legislação brasileira.
A Aprosoja-MT também mantém uma denúncia no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), protocolada em dezembro de 2024, acusando as empresas signatárias da Moratória da Soja de prática anticoncorrencial. Na segunda-feira (28), o presidente da entidade, Lucas Costa Beber, comemorou a decisão do STF e afirmou em vídeo divulgado nas redes sociais que a associação “não vai se cansar de lutar enquanto não acabarmos com a moratória”.
A tensão entre as partes se intensificou com a aproximação da implementação da legislação europeia de combate ao desmatamento (EUDR), que exige rastreabilidade de produtos agrícolas a partir de 31 de dezembro de 2020. A Aprosoja-MT estima que a moratória afeta cerca de 65 municípios e 2,7 milhões de hectares em Mato Grosso, com impacto econômico superior a R$ 20 bilhões.
As empresas citadas ainda não se manifestaram oficialmente sobre o processo. A Abiove, em resposta à decisão do STF sobre a lei estadual mato-grossense, divulgou nota na terça-feira (28) destacando que a decisão do ministro Flávio Dino “reconhece a legalidade da Moratória da Soja” e que o acordo “fortaleceu a credibilidade do Brasil no cumprimento de compromissos internacionais de proteção ambiental”. Procurada pelo Broadcast Agro, disse que não iria se manifestar sobre o pedido da Aprosoja-MT. Procurada, a Anec ainda não se manifestou sobre a petição.
O valor da causa foi fixado em R$ 100 mil, mas o montante final das indenizações pleiteadas será apurado em fase de liquidação, caso a ação seja julgada procedente. A petição inicial também solicita a inversão do ônus da prova e a dispensa do pagamento de custas processuais.
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