Na região dos países bálticos, um território com o tamanho semelhante ao do estado brasileiro de Santa Catarina concentra o maior volume de startups per capita do mundo – uma para cada 866 habitantes, densidade cinco vezes maior a dos EUA, berço do capitalismo moderno. Independente desde 1991, a Estônia lapidou suas normas e seu ambiente de negócios para se recuperar no pós-queda da União Soviética, do qual fazia parte. Mais do que isso, se tornou uma fábrica de empresas – especialmente de tecnologia e startups – e o país considerado hoje o mais digital do mundo.
+Startups se preparam para COP30 com inovações e sustentabilidade
O país possui 99% dos seus serviços públicos de forma digital. Se um cidadão da Estônia está fora do país, de férias, pode votar nas eleições ainda assim. Por lá, desde 2007, qualquer cidadão pode fazer praticamente tudo online, pagar impostos, assinar contratos e até abrir uma empresa.
Essa última atividade em específico ganhou tração com o que é chamado por eles de e-residency, um conceito o qual qualquer pessoa no mundo pode virar ‘residente digital’ do país e abrir uma empresa europeia remotamente – inclusive, brasileiros.
A decisão pode ser altamente atrativa para companhias com expansão global e que visam crescer rápido no continente, dado que Estônia integra a União Europeia (UE) desde 2004 e a Zona do Euro desde 2011.
Os dados oficiais mostram que atualmente mais de 1.400 brasileiros já se tornaram e-Residents e abriram mais de 400 empresas 100% online com sede na Estônia.
Wise tem funcionários de 120 países
Enio Almeida, que lidera a operação brasileira da Wise no Brasil e atua como Chief Risk Officer (CRO) para América Latina, conta que a companhia, que nasceu lá, teve parte do seu sucesso atrelado ao ambiente de negócios amigável do país.
Além disso, as portas abertas para crescer a plenos pulmões na Europa também foram fundamentais para formar a companhia, que hoje tem a diversidade de nacionalidade como um dos pilares da cultura corporativa – fator que Almeida também vincula ao sucesso da startup, que já vale mais de US$ 1 bilhão.
Almeida participou do evento Conheça a Estônia: Potência em Tecnologia e Startups, que ocorreu no último dia 24, em São Paulo.
“Hoje temos 6 mil colaboradores, 12,8 milhões de clientes ativos, e seguimos. Nossos principais hubs são em Talin [capital da Estônia], Londres, Cingapura, Austin e agora no Brasil, em que mudamos para um escritório maior há cerca de um ano”, diz Almeida.
“A expansão da Wise, saindo da Estônia, abrindo capital em Londres e indo para o mundo inteiro representa muito sobre investir em tecnologia localmente, contratar pessoas de diferentes culturas. Hoje temos mais de 120 nacionalidades no nosso quadro de colaboradores”, acrescenta.
Segredo do sucesso da Estônia
O cônsul-geral honorário da Estônia em São Paulo, Jüri Saukas, relata que todo o ambiente que tornou o país o que é hoje está atrelado historicamente ao fato de que o país precisou se reerguer após a queda da União Soviética.
Ele explica que antes da Segunda Guerra Mundial a renda per capita do país era próxima da Finlândia, mas após a queda do Muro de Berlim esse indicador era cerca de 14 vezes menor do que o do país considerado ‘primo’.
Na década de 90, visando a recuperação econômica, o governo então tomou uma série decisões cruciais que fizeram com que o país se mantivesse competitivo economicamente e atrativo em termos de abertura de novas empresas.
“Os primeiros anos de independência foram anos terríveis, o governo teve que lutar para a sobrevivência da população. Os países escandinavos ajudaram a Estônia. Mas o governo começou a aplicar medidas que dão certo até hoje. Privatizaram todas as empresas. Todas as estatais foram privatizadas ou fechadas. A segunda providência foi implementar um sistema tributário muito simples: os tributos passaram a ser de 20% para pessoas e empresas, e se o lucro fosse reinvestido não se pagava nada de imposto”, explica Saukas.
Para além das questões políticas, os fatores geográficos também obrigam de forma indireta as empresas a pensarem em soluções globais. Kaarel Kotkas, fundador & CEO da Veriff, comenta que ‘não há um grande mercado doméstico no país’ e isso funciona como uma mola propulsora para empresas buscarem expansão Europa afora.
Atualmente a Estônia possui uma população de 1,3 milhão de habitantes – para efeito de comparação, isso é quase o número de habitantes da cidade de Campinas (SP), mais do que nove vezes menos a população de São Paulo (SP) e quase cinco vezes menos do que a população do Rio de Janeiro (RJ).
Como funciona programa para nômades digitais
O e-Residency, programa de cidadania digital, foi lançado pelo governo em meados de 2014. O programa oferece a empreendedores e nômades digitais de todo o mundo acesso digital seguro aos serviços públicos avançados da Estônia e a um ambiente de negócios transparente de forma remota.
Para se tornar um e-resident é necessário:
- Ter um passaporte válido
- Preencher um formulário online no site oficial do governo estoniano
- Escrever uma breve justificativa de por que você quer se tornar um e-resident (ex.: abrir empresa, trabalhar remotamente etc.)
- Enviar uma foto digital tipo passaporte
- Pagar a taxa de inscrição
Atualmente a taxa de inscrição fica entre €100 e €130 (aproximadamente R$ 570 a R$ 740, dependendo da embaixada ou local de retirada escolhido).
No total, o processo de análise costuma levar de 3 a 8 semanas e, após a aprovação, você precisa retirar seu kit de e-Residency (cartão digital + leitor USB) em uma embaixada ou consulado estoniano — no caso do Brasil, geralmente no Consulado Honorário da Estônia em São Paulo ou outro local disponível informado no cadastro.
Nesse kit, você recebe um cartão de identidade digital com chip, um leitor USB para conectar no computador e um código PIN para autenticação e assinatura digital de documentos.
Com a residência digital você pode então abrir e gerenciar empresas 100% online, fazer contratos, emitir notas fiscais e acessar serviços bancários europeus digitais. Além disso, também pode enviar declarações fiscais e lidar com burocracias empresariais via internet e ter acesso ao mercado da União Europeia, com credibilidade e facilidades tributárias estonianas.
Importante frisar que e-Residency não dá direito a residência física, cidadania ou visto na Estônia ou União Europeia.
No total, existem mais de 110 mil e-residents espalhados por mais de 180 países, segundo informações atualizadas de 2025. Mais de 27 mil empresas ativas foram abertas por e-residents estonianos e cerca de 25% das startups registradas no país são de e-residents
Como funciona programa que criou 10 unicórnios
Outro dos programas que beneficiam empreendedores, especialmente do ramo de startups, é o Startup Visa, um programa que visa criar um ambiente forte para o crescimento do ecossistema de startups no país.
Esse ambiente fez com que a Estônia fosse o berço de 10 unicórnios – incluindo Bolt, Wise e Veriff.
O programa foi criado pelo governo estoniano em 2017 para atrair fundadores de startups de fora da União Europeia. Ele permite que empreendedores internacionais se mudem legalmente para a Estônia para abrir e operar suas startups em um dos ambientes mais digitais.
Para participar é necessário ser um empreendedor de fora da União Europeia que tenha uma ideia de startup inovadora e escalável, abrir a empresa e operá-la na Estônia. Além disso, o programa atende também quem queira se mudar para a Estônia para trabalhar em uma startup local.
Para usufruir do programa basta acessar o site oficial e preencher um formulário com:
- Ideia de negócio
- Plano de crescimento
- Equipe (se já houver)
- Tecnologia ou diferencial do projeto
Caso você ainda não tenha a empresa aberta, basta demonstrar que o projeto é viável e inovador. Após a submissão dos dados, um comitê de especialistas irá avaliá-los, sendo que a análise inicial leva de 7 a 10 dias úteis.
Com o projeto aprovado, você poderá solicitar um Startup Visa de entrada (para permanência de curta ou média duração) ou então uma residência temporária de até 5 anos para fundar e operar sua startup em solo estoniano.
Para submeter o projeto para avaliação não há custos. Todavia, para emissão do visto ou residência os custos ficam de €100 a €160 (dependendo do tipo de visto e do local de emissão).
Passadas todas essas etapas, será possível ter:
- Direito legal de morar e trabalhar na Estônia
- Acesso ao ecossistema de startups local (incubadoras, venture capital, networking)
- Participar de programas públicos de fomento e aceleração
- Visto para sua família, se desejar
- Depois de alguns anos de residência, possibilidade de solicitar residência permanente ou cidadania
Uma pesquisa publicada no início de 2025 pela Startup Estônia mostra que 82% dos funcionários de startups de origem estrangeira possuem formação no ensino superior, contra 61% de origem estoniana.
O post Como a Estônia se tornou o país mais digital do mundo e imã para startups de fora apareceu primeiro em ISTOÉ DINHEIRO.