Como Brasil pretende dar as cartas à frente da COP30

País quer promover “mutirão global” para virar jogo contra mudanças climáticas, com o empenho da sociedade civil. Mas não menciona se vai trazer fim da era fóssil para a discussão.Em meio ao tumulto geopolítico e à tensão alimentada pelas guerras em andamento, o Brasil tenta mobilizar a atenção para a próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 30, aguardada para novembro em Belém, Pará. A equipe à frente dos preparativos se articula a fim de trazer para as negociações um espírito de “mutirão” – palavra de origem tupi-guarani, difícil de traduzir para outros idiomas.

Numa carta em que apresenta sua visão para a presidência da conferência, a diplomacia brasileira convoca as nações para um “mutirão global” para vencer “de virada” a luta que parece perdida contra as mudanças do clima.

“Juntos, podemos fazer da COP30 o momento em que viramos o jogo, quando colocamos em prática nossas conquistas políticas e nosso conhecimento coletivo sobre o clima para mudar o curso da próxima década”, diz o documento apresentado nesta segunda-feira (10/03) em Brasília.

O maior poluidor histórico decidiu ficar de fora. Donald Trump já disse que os Estados Unidos não vão honrar os compromissos de corte de emissões de gases-estufa assumidos dentro do Acordo de Paris, assinado em 2015 na COP21. E que não financiam nenhum projeto neste sentido.

“Nós vamos trabalhar com os estados daquele país que querem continuar neste esforço, o que já aconteceu quando Trump ganhou pela primeira vez”, disse o embaixador André Corrêa do Lago a um grupo de jornalistas, dias antes do lançamento da carta.

Segundo as regras, a medida anunciada por Trump só terá efeito prático em janeiro de 2026, e formalmente os EUA ainda fazem parte do Acordo de Paris no encontro de novembro em Belém.

“Sem surpresas”

É tradicional que o presidente da COP faça uma carta para sinalizar ao mundo os principais objetivos da rodada. A diferença é que a próxima COP não tem um mandato especial para negociar um tópico específico, como foram os casos das duas últimas.

Dubai, em 2023, e Baku, em 2024, fecharam as negociações em torno do “livro de regras” do Acordo de Paris. Um dos pontos pendentes era a meta de financiamento climático, finalizada na última conferência e considerada insuficiente.

Experiente e respeitado na diplomacia internacional, Corrêa do Lago promete uma presidência sem surpresas desagradáveis e uma “transparência enjoada”. A carta, diz ele, já apresenta o que está previsto que aconteça na negociação.

“Nós chegamos neste momento no limite de tratar do tema apenas negociando num acordo internacional cheio de regras. Por isso a ideia de apresentar ao mundo o mutirão, mostrar que tem que se juntar para o bem comum”, afirmou o embaixador na conversa prévia com jornalistas.

O que acontece em 2025

O Acordo de Paris é o único tratado internacional dentro da ONU em que os países, coletivamente, aceitam cortar suas emissões de CO2 para frear as mudanças climáticas. Cada governo estabelece uma meta voluntária, as assim chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), que somadas deveriam limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial (1850-1900).

Segundo o tratado, 2025 é o ano em que os países revisam suas metas, mas poucos apresentaram um novo número dentro do prazo expirado em fevereiro. Em visita recente ao Brasil, Simon Stiell, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), disse que a “grande maioria dos países” indicou que enviará suas novas NDCs até o fim do ano.

Em Belém, a presidência brasileira diz que trabalhará para defender o que já foi construído no contexto do Acordo de Paris, fortalecer o multilateralismo no atual cenário de fragmentação global e criar uma conexão mais sólida entre o que está sendo negociado – que muitas vezes parece abstrato – e os mundos da política e economia.

Vitalidade da sociedade civil

De volta a um país de regime democrático após passar por anfitriões que mantêm forte controle das manifestações sociais, os preparativos para COP30 têm mobilizado organizações da sociedade civil.

Os movimentos indígenas, por exemplo, cobram que o governo brasileiro dê aos povos originários um papel central nas negociações. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) defende ainda o acesso direto às verbas internacionais destinadas a financiar medidas para adaptação às mudanças do clima.

A carta da diplomacia brasileira faz algumas menções à importância dos indígenas. De ação prática, a presidência diz que convidará representantes para um “Círculo de Liderança Indígena” visando aumentar sua representação e garantir que os conhecimentos e a sabedoria tradicionais sejam integrados à inteligência coletiva global”.

Corrêa do Lago reconhece a atuação da sociedade civil brasileira como uma das forças do país e um “elemento central para o sucesso da COP30”, e acha importante que haja manifestações – o que muitos consideram ter faltado nas edições passadas no Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão.

Ana Toni, secretária nacional de Mudanças Climáticas, afirma que esse envolvimento é necessário não apenas durante os 12 dias de conferência, mas ao longo do ano todo, para que a população chegue informada e preparada.

“Ela traz essa vitalidade para outros países também. A gente precisa dessa energia da sociedade civil, de mobilização, do engajamento em todos os países. A sociedade civil brasileira já é muito engajada”, afirmou Toni durante a conversa com os jornalistas.

Lacuna importante da carta

O abandono aos combustíveis fósseis, o principal causador do aquecimento do planeta que acelera as mudanças climáticas, não é citado na carta da diplomacia brasileira. Esse tópico apareceu pela primeira vez num acordo discutido na COP de Dubai, mas sem detalhar como isso será feito.

“Vamos ver se a presidência brasileira terá coragem de colocar esse tema para discussão em Belém”, comenta Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.

Uma medida do sucesso da conferência seria abrir uma discussão de alto nível para implementar quando e como vai transcorrer o fim da era do petróleo: “Claro que a presidência tem outras tarefas importantes, como a de recuperar a confiança entre as partes, severamente abalada depois de Baku”, afirma Angelo, lembrando a decepção dos países mais pobres com o pouco dinheiro prometido pelos mais ricos para bancar a adaptação às mudanças do clima.

No pano de fundo, a crise não espera. O ano de 2024 foi confirmado como o mais quente da era pós-industrial, e uma nova leva de notícias ruins anunciadas pela ciência, como o degelo no Ártico, assola a humanidade.

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