As mulheres precisam protagonizar suas finanças, diz executiva

A sócia fundadora da The Hill Capital, Cassiana Garcia / Foto: divulgação

Era esperado por muitas mulheres, nos séculos e anos passados, que há essa altura, enquanto se vive o ano que fecha o 1/4 do terceiro milênio, as barreiras culturais e patriarcais já não fosse uma questão a ser enfrentada pelo público feminino em qualquer setor, mesmo em finanças. No entanto, apesar do crescimento desse perfil no mercado financeiro, a sócia fundadora da The Hill Capital, Cassiana Garcia, destacou alguns fatores que dificultam essa consolidação e a necessidade de ter as mulheres como protagonistas de suas decisões financeiras.

Com uma ampla e abastada experiência no mercado financeiro, Cassiana iniciou sua trajetória através da gerência de Trainee no Banco Santander quando tinha 20 anos. Lá também atuou como trader da Bolsa e gerenciou diversos traders em diferentes regiões do Brasil para então alargar o passo e chegar ao exterior, trabalhando com Offshore no Citibank. 

Antes de juntar aos outros três sócios para fundar a The Hill Capital, a executiva, que também é planejadora financeira CFP e MBA em finanças pela USP (Universidade de São Paulo), passou também pelo setor de private banker do Banco Alfa, pela tesouraria do BICBANCO e pela área de private HNW do banco Safra. 

Cassiana lembra que seu início de carreira teve um peso que recai sobre outras mulheres ainda hoje: o errôneo entendimento de que “mulheres não são inteligentes o suficiente para o mercado financeiro”. Segundo ela, essa percepção lhe colocou em constante situação de provação, para mostrar que de fato tinha potencial para atuar onde estava, sem a possibilidade de errar ou deslizar.

“Esse foi o principal impulso que eu tive para olhar para frente e perceber que eu precisava me provar o tempo inteiro. Isso é bastante desgastante, mas também foi como um combustível para mim, para que eu pudesse sempre buscar me destacar, tanto nas minhas certificações, nos meus estudos, e buscando a excelência profissional, principalmente atuando ali com os clientes”, afirmou a sócia fundadora da The Hill Capital em entrevista ao BPMoney.

Atualmente, a B3 – operadora da Bolsa brasileira – divulgou novos dados onde afirma que o número de mulheres que investem em renda variável cresceu 7% em 2024, chegando a 1.381.426, que marca um recorde histórico. Mas, ainda assim, esse público segue sendo minoria nessa linha de investimentos, representando somente 26,6% do total de investidores.

Na avaliação de Cassiana, um dos desafios para a entrada e consolidação das mulheres nessa área é a baixa representatividade, que tende a gerar um ambiente mais intimidador. Além disso, as barreiras culturais, a exemplo das finanças dos lares serem – quase sempre – destinadas à responsabilidade das figuras masculinas, também exercem certa influência sobre esse fenômeno. 

“Algumas também têm uma síndrome de impostora. Em algumas conversas, percebo que muitas duvidam da capacidade de tomar boas decisões financeiras, mesmo quando elas têm algum conhecimento. E isso leva, muitas vezes, a uma postura mais conservadora ou até para delegar a terceiros, disse a executiva. 

Esse perfil mais conservador, segundo ela, também é reflexo de um viés de gênero que existe no mercado financeiro, com uma percepção geral, e até baseada em estudos, de que as mulheres tendem a ser mais avessas a investimentos de risco.

“Hoje eu vejo que existem movimentos de grupos femininos para se apoiar e isso eu particularmente acho muito bacana dos quais eu faço parte. Na The Hill Capital, nosso quadro é majoritariamente de mulheres. Criamos um ambiente muito acolhedor e transparente, tanto para as nossas investidores, quanto para as nossas assessoras”, destacou.

Mas, mesmo diante das adversidades, Cassiane enfatizou que atualmente há uma mudança significativa acontecendo para tornar o mercado financeiro mais acessível às mulheres, com impulso da conscientização e da importância da independência financeira desse grupo. 

“Hoje as mulheres têm um papel significativo para o sustento da casa. Também vejo hoje muitos grupos de mulheres que incentivam negócios entre elas e isso é maravilhoso. Poder ver mulheres ali se ajudando é muito bom”, disse a planejadora financeira.

Além disso, a sócia fundadora da The Hill Capital comentou que a casa mantém uma visão de que essa equidade no mercado financeiro não é uma tendência, mas é uma necessidade real e imediata. “Temos um tratamento diferenciado no sentido de que nós queremos que as mulheres sejam as protagonistas das suas decisões financeiras”, disse ela.

Atualmente, o escritório tem como horizonte um crescimento robusto após trazer uma área corporate vinda da XP Investimentos para seus negócios e aumentar o número de assessores. A empresa estima fechar 2025 com R$ 3 bilhões sob custódia.

Confira na íntegra:

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou para se estabelecer como uma profissional de destaque no setor de investimentos?

Iniciei minha carreira no Banco Santander, na área da corretora que faz a parte de investimentos em ações há mais de 20 anos. Eu era muito jovem e, de fato, era uma área majoritariamente masculina.

Na época, percebi algumas diferenças, como no sentido de talvez mulheres não serem tão inteligentes para estar nessa área. Acredito que era uma coisa que indiretamente soava no ar, mas isso era algo que me desafiava ainda mais, de poder mostrar todo o potencial que eu tinha. Eu era muito nova já trabalhando como trader na corretora.

E esse foi o principal impulso que eu tive para olhar para frente e perceber que eu precisava me provar o tempo inteiro. Isso é bastante desgastante, mas também foi como um combustível para mim, para que eu pudesse sempre buscar me destacar, tanto nas minhas certificações, nos meus estudos, e buscando a excelência profissional, principalmente atuando ali com os clientes. 

Então, isso fez com da minha carreira ao longo de todos esses anos uma grande excelência naquilo que eu sempre me propus a fazer, porque eu sabia que eu não podia deslizar em nenhum instante, em nenhum momento, que isso seria muito prejudicial pra mim. Eu era vista como uma menina jovem, bonitinha, enfim, só que eu sempre fui muito mais do que isso.

Quais barreiras culturais ou estruturais você enxerga que ainda dificultam a participação das mulheres como investidoras?

Bom, eu acredito que as barreiras culturais e sociais existem, mas a participação das mulheres no mundo dos investimentos têm crescido. No entanto, ainda há barreiras como, por exemplo, uma baixa representatividade das mulheres no mercado financeiro, que é um mercado predominantemente masculino. Isso pode gerar um ambiente mais intimidador para aquelas mulheres que querem começar a investir.

Muitas mulheres também cresceram em lares onde não havia uma boa gestão financeira, onde sempre isso foi sempre responsabilidade dos homens. E essa situação reforça talvez uma ideia muito errada de que investimentos não são para as mulheres.

Algumas também têm uma síndrome de impostora. Em algumas conversas, percebo que muitas duvidam da capacidade de tomar boas decisões financeiras, mesmo quando elas têm algum conhecimento. E isso leva, muitas vezes, a uma postura mais conservadora ou até para delegar a terceiros. 

Outro ponto que eu acho relevante mencionar é que existe também no Brasil muita falta de educação financeira. Ela hoje é amplamente difundida, mas olhando para as mulheres que hoje têm recursos para investir, são pessoas talvez um pouco mais velhas, mais maduras, que conseguiram ali guardar um recurso, seja de uma herança, seja ao longo da carreira, muitas são de uma geração em que não se falava muito de investimentos. 

Então, acredito que existe muito o medo de investir no desconhecido. Mas eu entendo que com uma boa assessoria e um bom atendimento, quando você desenvolve um relacionamento de confiança com um assessor de investimentos qualificado, essas barreiras tendem a diminuir significativamente.

Existe um viés de gênero na forma como o mercado financeiro lida com investidores e investidoras? Como a The Hill Capital busca tornar esse atendimento mais iguallitário para as mulheres que desejam investir?

Ao longo de toda a minha trajetória profissional, eu diria que sim, existem aí vieses de gênero no mercado e até da mulher quanto a sua própria percepção do papel dela no mundo. Então, muitos estudos mostram que as mulheres tendem a ser mais conservadoras, mais avessas a risco, talvez pela maternidade também. Tanto que muitas vezes, no mundo de seguros de carros, eles enxergam as mulheres como um risco menor do que o homem. 

Gosto de trazer esse exemplo do seguro de carro, porque isso também se traduz no mercado financeiro e falando de vieses, muitas vezes a comunicação do mercado financeiro é feita de forma muito técnica e voltada para o público masculino. E isso é extremamente desafiador para as mulheres. 

Hoje eu vejo que existem movimentos de grupos femininos para se apoiar e isso eu particularmente acho muito bacana dos quais eu faço parte. Na The Hill Capital, eu sou sócia fundadora e o nosso quadro é majoritariamente de mulheres. Criamos um ambiente muito acolhedor e transparente, tanto para as nossas investidores, quanto para as nossas assessoras.

Compreendemos que as mulheres têm um objetivo financeiro diferenciado de longo prazo, como uma necessidade importante de independência financeira, uma preocupação com a aposentadoria, e também uma segurança familiar.

Você acredita que há uma mudança acontecendo no setor financeiro para tornar o ambiente mais acessível e inclusivo para as mulheres?

Sim, acredito que tem uma mudança muito significativa acontecendo no setor financeiro com o objetivo de torná-lo muito mais acessível para as mulheres. Vejo que nos últimos anos a participação das mulheres nos investimentos cresceu bastante. Eu acho que isso foi impulsionado pela conscientização e a importância da independência. Hoje as mulheres têm um papel significativo para o sustento da casa.

Também vejo hoje muitos grupos de mulheres que incentivam negócios entre elas e isso é maravilhoso. Poder ver mulheres ali se ajudando é muito bom. Na The Hill Capital temos essa visão de que essa equidade no mercado financeiro não é uma tendência, mas é uma necessidade real e imediata. A gente adota algumas medidas importantes para que as mulheres se sintam muito bem acolhidas. Temos um tratamento diferenciado no sentido de que nós queremos que as mulheres sejam as protagonistas das suas decisões financeiras.

Então hoje a gente tem um ambiente muito favorável para as mulheres que trabalham aqui. Então, nós temos muitas assessoras de investimento mulheres, mães que têm as suas particularidades e são espetaculares e também atendem outras mulheres. Então, a gente vê que algumas se sentem muito confortáveis de ter uma assessora financeira mulher.

Então, nas nossas reuniões, elas sempre trazem um educacional muito importante em relação a isso. Buscamos sempre trazer as informações de uma forma muito clara, desmistificando qualquer economês. O objetivo é comunicar e não falar bonito. Nós promovemos encontros, organizamos eventos, temos uma sólida relação com mulheres investidoras.

E buscamos sempre ter uma estratégia de investimento sob medida. Cada investidora é uma investidora, tem uma necessidade diferenciada e essa percepção da investidora como um todo é fundamental para montar um portfólio que se adequa à necessidade dessa investidora. 

Quais iniciativas a The Hill Capital tem adotado para incentivar a entrada feminina no mercado de investimentos?

A The Hill Capital nasceu com duas fundadoras mulheres. Nós somos em quatro fundadores e duas delas são mulheres, ou seja, 50% do quadro dos sócios fundadores hoje é de mulheres. Eu acredito que a mulher tem um olhar para a outra mulher na compreensão das necessidades como um todo, seja da maternidade, seja de momentos específicos da vida. A gente tem um compromisso muito sólido com a inclusão feminina no mercado financeiro

Hoje temos muitas sócias e assessoras mulheres dentro da nossa estrutura e o índice de satisfação dos clientes com essas assessoras mulheres é altíssimo. Elas são extremamente dedicadas, engajadas. E isso traz um olhar, na minha visão, de conexão, de entendimento do outro, que pode vir muito da maternidade ou propriamente do feminino mesmo, de compreensão, e isso é excepcional para o relacionamento com os nossos investidores, sejam homens ou sejam mulheres. 

Essa flexibilidade do entendimento das necessidades que uma mulher tem, muitas vezes, com o filho, essa compreensão, é fundamental também. Eu, por exemplo, tenho um filho de 8 anos, e tenho uma rotina de levá-lo para a escola todos os dias. E muitas vezes na hora do almoço eu saio, vou buscá-lo na escola, deixo ele em casa, e não deixo de ser uma excepcional profissional, não deixo de fazer as minhas obrigações. Muito pelo contrário.

Esse comprometimento de um atendimento personalizado, sem viés de gênero, é muito presente. A The Hill Capital também apoia atualmente o Instituto Ampara Animal, que é uma organização fundada 100% por mulheres, em que eu sou uma das fundadoras também.

Qual conselho você daria para mulheres que desejam seguir uma carreira no mercado financeiro ou que querem começar a investir?

Olhando para a mulher que quer trabalhar no mercado financeiro, é fundamental que ela tenha os devidos estudos. No quesito faculdade, eu me formei em administração, fiz MBA em finanças e fiz as máximas certificações de excelência como CFP, que é o certificado de planejador financeiro, para que eu tenha toda a base técnica. Estudar não é uma opção. Estudar é uma necessidade para que você se aprimore tecnicamente.

O mercado financeiro traz essas exigências de uma competência técnica maior, então estudar é fundamental. Após ter todos os estudos e todas as certificações, buscar um lugar onde você tenha alinhamento com a cultura daquela organização e isso para a mulher é fundamental. Não dá para trabalhar em um ambiente em que você não tem aderência com a cultura.

Para as mulheres que desejam realmente investir, aconselho que busque uma assessoria de investimento adequada, de confiança, faça entrevista com assessores para ver aquele assessor no qual você entende que vai conseguir desenvolver um bom relacionamento e um relacionamento de confiança. Confiança é fundamental. Um assessor de investimento hoje é como um médico, como um advogado, é a pessoa que vai zelar pelo sigilo e pelo cuidado da situação financeira daquele investidor.

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