Tarifaço de Trump é avaliado como jogo de ‘perde-perde’; e o Brasil, como fica?

Até onde vai o tarifaço de Trump e qual o impacto para a economia global e para o Brasil? Promessa de campanha de Donald Trump, a imposição de tarifas comercias para países como México, Canadá e China tem sido o foco mundial desde que o novo presidente dos Estados Unidos tomou posse.

Em meio a idas e vindas e até suspensão temporária de ampliação de taxas, a discussão em voga é se haverá vencedores com essa política de Trump (e quem são eles), dado que uma nova guerra comercial tem várias dimensões.

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A primeira medida esboçada pelo presidente dos EUA consistiu em impor uma tarifa de 25% para produtos vindo do México e Canadá, além de um adicional de 10% para produtos Chineses, remontando, em partes, a guerra comercial com a China feita no primeiro mandato do republicano. No total, os três países atingidos pela medida de Trump representam mais de 40% das importações do país.

Mas já houve um recuo, já que Trump confirmou uma pausa de um mês nas tarifas contra as importações do México, em decisão firmada durante conversa com a presidente do México, Claudia Sheinbaum.

Além disso, o presidente americano deve adiar tarifas sobre as importações canadenses por pelo menos 30 dias também. A informação veio à tona após um post no X, antigo Twitter, do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau.

“Acabei de ter uma boa ligação com o presidente Trump. O Canadá está implementando nosso plano de fronteira de US$ 1,3 bilhão — reforçando a fronteira com novos helicópteros, tecnologia e pessoal, coordenação aprimorada com nossos parceiros americanos e recursos aumentados para interromper o fluxo de fentanil. (….) Também assinei uma nova diretiva de inteligência sobre o crime organizado e o fentanil e a apoiaremos com US$ 200 milhões. As tarifas propostas serão suspensas por pelo menos 30 dias enquanto trabalhamos juntos”, disse.

Impacto para empresas mexicanas e americanas

Joan Domene, economista-chefe para a América Latina da Oxford Economics, avalia que o tarifaço de Trump causa um estrago em um progresso de 20 anos de interconexão entre cadeias de suprimentos. Segundo ele, se trata de um jogo de ‘perde-perde’, pois não haverá vencedor com a imposição deliberada das tarifas.

“Isso não trará impactos positivos para nenhuma empresa envolvida, sejam empresas mexicanas ou americanas. O que os EUA planejam fazer é concentrar a quantidade de entrada dos EUA em cada processo de fabricação, seja feito no Canadá ou no México. Isso seria algo semelhante ao que vimos na negociação do USMCA, com a troca do NAFTA no primeiro mandato”, analisa.

Domente ainda acrescenta que a medida traria um impacto imediato na demanda doméstica dos EUA e mudanças nas taxas de câmbio.

O especialista explica que, durante a primeira administração de Trump, com a guerra comercial velada, sem tarifas diretas, os impactos econômicos foram menores.

Com isso, o México se beneficiou, já que muitas empresas buscaram alternativas à China para evitar tarifas.

A estratégia de “nearshoring”, que desloca a produção para países mais próximos ao mercado consumidor, foi adotada por empresas que, buscando custos trabalhistas mais baixos e uma cadeia de suprimentos mais curta, realocaram suas operações para o México.

E para o Brasil?

Welber Barral, estrategista do Ouribank e ex-secretário de Comércio Exterior, comenta que a primeira guerra tarifária trouxe benefícios para o Brasil, com o agronegócio brasileiro vendendo especialmente mais carne, milho, soja e grãos.

Nesse sentido, avalia que o Brasil pode ter ganhos, todavia isso seria restrito a alguns setores e dependeria de uma melhor visão sobre como – e por quanto tempo – será de fato a política tarifária.

“Os impactos dependem bastante de quanto tempo essa política ficar em vigor, que é algo que ninguém sabe ao certo ainda. Programação de exportação demanda pelo menos 60 dias”, diz Barral.

Já o economista André Perfeito avalia que o Brasil pode ter alguma vantagem para elevar exportações.

“Há aí uma grande oportunidade. O Brasil pode comer pelas beiradas as tarifas de Trump e fornecer para Canadá, México e China mais mercadorias. Como se diz: crise é oportunidade e nesse caso é a oportunidade da década”, avalia Perfeito.

Política de Trump pode resultar em inflação

Barral ainda adiciona que as tarifas implicam em um aumento direto de custos para os americanos, dado que os importadores irão repassar o preço do tributo.

“Quem paga o preço é que consome. E você tem a questão da cadeia de suprimentos, já que na indústria da América do Norte você tem uma série de integrações, peças enviadas do México aos EUA para depois serem montadas no Canadá, e por ai vai. O que o Trump quer fazer é obrigar as empresas a voltarem a produzir nos EUA.”

Nesse sentido, o ex-secretário de comércio exterior explica que existem outros métodos para se chegar ao mesmo objetivo, mas sem trazer custos e incertezas.

“O que Trump está fazendo é usar a instabilidade como mecanismo de negociação. O problema é que o custo da instabilidade é muito alto, atrapalha muito o planejamento das empresas. Embora ele ache que as empresas vão se relocalizar, as empresas não vão planejar no curto prazo, porque são impactos de 20 ou 30 anos, e o pior para o comércio exterior é a instabilidade que é gerada, principalmente nesse caso que é com o México, com quem eles têm um acordo que não está sendo cumprido”, afirma Barral.

As falas de aumento de custos endossam a tese do conhecido ‘Trump trade’, citado desde à época da corrida eleitoral. Em suma, o cenário consiste no fato de o protecionismo acarretar em inflação mais elevada e, por consequência, juros mais altos – ou cortes mais tardios do que o esperado previamente por parte do Federal Reserve (Fed).

José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) também acredita que haverá pressão inflacionária com a implementação das tarifas contra México e Canadá.

“Essa postura é de um país que quer tirar proveito dos demais. Essas medidas são ‘anticomércio’, e se você começa a administração assim, pode criar obstáculos no futuro. Se os EUA precisar do Canadá ou México para algo terá problemas. Ele está atingindo aliados e pode ter que reorganizar suas políticas logo depois disso.”

Trump também mira melhora fiscal

Para além do protecionismo econômico, há também a questão fiscal no radar, já que encher os cofres públicos agora é uma prioridade da administração federal. No ano fiscal de 2024 o déficit dos EUA atingiu US$ 1,8 trilhão, com o governo arrecadando US$ 4,92 trilhões e gastando US$ 6,75 trilhões.

Nesse contexto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que o déficit fiscal dos EUA permanecerá em torno de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos dois anos – cenário que exige reformas para garantir a sustentabilidade fiscal.

Assim, a postura da nova administração da Casa Branca reflete uma corrida para equilibrar a balança – já que inclusive, o novo mandatário deve ser responsável por aumentar o rombo, dadas as promessas de campanha que incluem cortes de impostos e outros pontos que reduzem a receita arrecadada pelo governo, provocando risco do conhecido ‘shutdown’ do governo americano.

O economista André Perfeito diz que ‘o uso de tarifas só faz sentido se usado de maneira cirúrgica’, e avalia que Trump quer equacionar as contas públicas com essa toada ultraprotecionista.

“Se o estrago não for muito grande no curto prazo (com alta da inflação por exemplo) e Trump conseguir esse dinheiro extra podemos ver alguma melhora fiscal. As tarifas tem toda cara de uma política heterodoxa das mais rasas e tem tudo para dar errado, mas como nunca foi feito dessa forma também não posso garantir que irá dar errado”, comenta.

‘Haverá dor, mas valerá a pena’

Durante o domingo, 2, o republicano disse que os americanos podem sentir as consequências econômicas das tarifas impostas – em alusão a provável pressão inflacionária imediata – mas disse que ‘o preço vai valer a pena’.

“Haverá alguma dor? Sim, talvez (e talvez não!)”, escreveu Trump escreveu em letras maiúsculas em sua plataforma Truth Social. O mandatário ainda acrescentou que pretende ‘fazer os Estados Unidos grandes de novo, e valerá a pena o preço que se deve pagar’.

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