Homem linchado até a morte não cometeu violência sexual, diz Polícia Civil

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Em coletiva realizada na tarde desta segunda-feira (3), a Polícia Civil, por meio das titulares da Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios e da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, confirmou que o homem morto por linchamento ocorrido em 10 de janeiro, no Santa Cecília, bairro da região central de Juiz de Fora, não cometeu crime de estupro. 

Segundo informações da Polícia Civil, Elvis, de 38 anos – conhecido no bairro como “Família” – foi linchado até a morte após uma criança informar à mãe que um homem vestido com uma camisa verde havia “agarrado” seu braço na rua. Após as agressões, ele chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. 

Segundo a delegada Alessandra Azalim, da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, os exames e os relatos não concluíram crime de estupro. “No relato da mãe, a gente não verifica que está constatado que houve a prática de um ato libidinoso, uma conjunção carnal ou ato libidinoso diverso de conjunção carnal. Nem mesmo uma tentativa.”  

A mãe, juntamente com familiares e amigos, foram em busca do homem que foi linchado até a morte. Ao todo, 13 suspeitos entre 17 e 58 anos foram identificados a partir do vídeo que circulou nas redes sociais. Destes, três foram presos em flagrante poucos dias após o ocorrido, sendo eles a mãe da criança, seu companheiro e o sogro. Outros três foram presos na operação realizada pela Polícia Civil na última sexta-feira (31) e quatro continuam foragidos com mandado de prisão em aberto. Os adolescentes vão responder por ato infracional em processo que deve correr na Vara da Infância e Juventude.

A acusação

No dia 10 de janeiro de 2025, uma menina de 9 anos disse que teve o braço agarrado por alguém no Bairro Santa Cecília, em Juiz de Fora. No entanto, não há confirmação de que Elvis tenha sido o autor do ato. A mãe da menina teria espalhado a acusação de que sua filha havia sido vítima de estupro, mas, segundo a delegada Alessandra Azalim, não ficou configurado o crime. 

Em relato à polícia – e segundo a corporação – , a mãe da menina admitiu não ter certeza de que Elvis teria sido o homem que segurou o braço da criança. Além disso, os exames de corpo de delito realizados na menina mostraram apenas um arranhão no braço, que ela, espontaneamente, atribuiu a um cachorro. A delegada ressaltou que “agarrar o braço” não configura necessariamente um crime de estupro. “Pode ser um outro tipo penal, mas, num primeiro momento, a gente pode dizer que não houve a prática de um estupro”, explicou.

Ainda assim, a acusação se espalhou, e a mãe da menina saiu às ruas com familiares e amigos para procurar o suposto agressor. Eles rodaram o bairro de carro, mas não conseguiram identificá-lo. Horas depois, por volta das 21h30, Elvis foi apontado como culpado. Quando a mãe da menina chegou ao local com a criança, ele já estava sendo agredido por populares com socos, chutes e uma barra de ferro. Segundo informações, alguns dos populares perguntavam à criança se ele a tinha estuprado, enquanto ela, chorando, repetia que não. Todo o processo de agressão foi assistido pela menina.  

Segundo a delegada Camila Miller, da Delegacia de Homicídios, a vítima era bem-quista no bairro e não possuía histórico de crimes violentos. “Era um indivíduo que andava pela rua, que todo mundo conhecia e que não era malquisto na localidade. Ele não cometia crimes, só possui uma ocorrência de estelionato em 2009”, e completou:  “Não tinha perfil, pelo menos, que chegasse até a polícia voltado para a criminalidade.”

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A investigação

As investigações da Polícia Civil descartaram a ocorrência de estupro no caso que levou ao linchamento da vítima. Segundo a delegada Alessandra Azalim, “não ficou configurada a certeza do estupro, até pelo relato da própria mãe”. Ela explicou que, a partir do relato dela e dos elementos presentes no inquérito policial, não havia indícios de que a vítima tivesse cometido o crime. “Nem tinham certeza de que foi ele quem praticou o ato de segurar no braço da criança”, afirmou.

Os exames de corpo de delito realizados na menina também não corroboraram a acusação. A criança ainda será ouvida na justiça, para evitar a revitimização – quando a vítima é submetida a processos que a fazem reviver a violência. “A gente vai ouvir a criança, ainda, que isso precisa ser feito na justiça, porque são questões que estão previstas na lei, mas, num primeiro momento, averiguando a fala da criança com a fala da mãe e dos demais, não está configurada a prática do que a gente chama de elementares do tipo penal do estupro de vulnerável,” explicou a delegada.

Camila Miller também reforçou que “não tem indício nenhum de que aconteceu de fato esse crime de uma violência sexual”.  Ela também destacou a importância de evitar a “justiça com as próprias mãos” e reforçou o papel da polícia em garantir que casos como esse sejam investigados de forma adequada.

A delegada também detalhou o trabalho de identificação e responsabilização dos envolvidos no linchamento. “Todas as pessoas que aparecem naquele vídeo foram identificadas e vieram até a delegacia. Prestaram depoimento, alguns apresentaram petição informando que só iam falar em juízo, mas a gente conseguiu identificar todos eles”, explicou.  

Casos como esse levantam questões sobre os riscos da “justiça com as próprias mãos” e os desdobramentos de acusações feitas sem comprovação. Camila Miller afirmou que a Polícia Civil atua para evitar práticas como essa. “As forças de segurança vão atuar com todo o seu afinco para evitar esse tipo de prática, que tem acontecido pela cidade.” Ela reforçou que a população deve sempre procurar a polícia para investigar casos, em vez de recorrer à violência e aos chamados “tribunais do crime”.

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