Mercado torce o nariz para pacote fiscal e avalia medidas como tímidas e insuficientes

O mercado reagiu com ressalvas ao pacote fiscal de R$ 71,9 bilhões, com dúvidas de como as medidas serão concretizadas, como será o trâmite junto ao Congresso e se, de fato, a estratégia irá garantir o equilíbrio das contas do governo.

Segundo analistas e economistas ouvidos pelo site IstoÉ Dinheiro, o anúncio ficou aquém do esperado e, ao misturar medidas de cortes de gastos com uma reforma do Imposto de Renda, alimento ceticismo sobre o a capacidade e compromisso do governo de voltar a registrar superávit fiscal a partir de 2026.

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Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, comenta que as medidas anunciadas são insuficientes para zerar o déficit em 2025, estimado em R$ 110 bilhões em 2025 ela casa – ou 0,9% do PIB. Ela cita um ‘impacto tímido’ pelas regras anunciadas.

“O corte estimado mostra a dificuldade política do governo em enfrentar a necessidade de revisão mais ampla dos gastos, incluindo programas sociais que tiveram crescimento acelerado e pro-cíclicos nos últimos dois anos”, comenta.

No lado positivo, a especialista aponta que algumas medidas vão na direção correta, mas que ainda são insuficientes, citando que a revisão do abono e a limitação do reajuste do salário mínimo vão na linha correta, assim como o uso de emendas para cumprir o piso de gastos da saúde, o que deve limitar o crescimento mais acelerado dessas despesas.

Temor de expansão fiscal

Para a analista, o anúncio de ampliação da isenção de Imposto de Renda traz mais incerteza para a trajetória fiscal em 2026, e indica que o governo deve ter nova expansão fiscal no próximo ano eleitoral.

O anúncio da Isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais foi o grande catalisador negativo para o mercado ontem, e a confirmação disso segue impactando o mercado, já que o dólar avança aos R$ 5,99 na manhã desta quinta, 28, caminhando para fechar em um novo recorde histórico.

O governo garante, entretanto, que a medida não terá impacto fiscal e será compensada pelo aumento da tributação de quem ganha acima de R$ 50 mil.

“O ponto de preocupação é em relação à isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que geraria uma perda de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões ao ano, o que seria compensado com o aumento de imposto para quem ganha acima de R$ 50 mil. O ponto de preocupação é como isso vai desenrolar no Congresso, porque a depender das decisões, pode afetar mais ou menos o risco fiscal do Brasil”, comenta Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.

“O governo pode aprovar as duas medidas, tanto a de revisão de gastos como a isenção, mais a taxação, o que seria neutro. O governo poderia atacar somente as despesas, o que seria positivo, e no cenário negativo seria o Congresso apenas aprovar a isenção de Imposto de Renda sem as compensações, o que afetaria diretamente o risco fiscal”, completa.

Segundo o especialista aponta que o mercado deve aguardar por mais detalhamentos das medidas, mas que o anúncio acende ‘sinais amarelos’, já que abrem margem para uma expansão fiscal a depender das decisões do parlamento.

O economista André Perfeito sinaliza que o avanço do dólar é um indicador de que o mercado não recebeu bem o pacote.

“O mercado não viu na fala do ministro nada substancial na apresentação. Contudo o maior problema foi, na minha percepção, misturar as medidas de corte com a isenção do IR até R$ 5 mil. Isso tem gerado mais ruído que o necessário”.

‘Impacto mais significativo é no longo prazo’

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, pondera que o corte de gastos oficializado é um ponto positivo, embora ainda reste incerteza sobre algumas propostas, como mudanças no seguro-desemprego, que ficaram de fora.

“Essas medidas têm impacto mais significativo no longo prazo, e o governo enfrentará dificuldades para alcançar o limite inferior da âncora fiscal, seja este ano, em 2025 ou até 2026”.

Valor de corte previsto por medida do pacote
Valor de corte previsto por medida do pacote – Foto: Divulgação/Ministério da Fazenda

Mercado de juros pressionado

Com um risco fiscal que não foi atenuado, o mercado também começa a revisar expectativas para os juros, especialmente considerando que o anúncio desta semana é uma nova variável a ser lidada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá na próxima semana.

Nesse contexto, o comitê poderia tomar uma decisão ainda mais austera – hawkish, como chama o mercado – e elevar a Selic em 0,75 ponto percentual (p.p.).

Esse cenário já é refletido nas negociações dos DIs, com a curva de juros abrindo. Nesta quinta, 28, por volta das 10h, os contratos, por toda a curva, subiam cerca de 1,5%, em relação ao fechamento da véspera.

” O mercado esperava medidas de austeridade para reforçar o arcabouço fiscal, mas o aumento das despesas contraria essa expectativa, pressionando juros futuros e ampliando o risco fiscal. Sem sinais claros de compensação, a volatilidade cambial deve persistir, afastando investidores, afetando custos e a confiança na economia brasileira”, Sidney Lima, Analista CNPI da Ouro Preto Investimentos

Os principais pontos do pacote fiscal

Afora da isenção de IR, o pacote anunciado pelo ministro da Fazenda prevê mudanças como:

  • Proibição da criação, ampliação e prorrogação de benefícios tributários em caso de déficit primário
  • Abono salaria será assegurado para quem ganha até R$ 2.640, e se tornará permanente quando corresponder a 1,5x salário mínimo
  • O reajuste do salário mínimo continuará a ser superior à inflação mas seguindo regras do arcabouço fiscal, com um limite de 2,5% ao ano acima do IPCA
  • Crescimento de emendas parlamentares abaixo do limite do arcabouço fiscal

Além disso, sem entrar em detalhes, Haddad afirmou que o pacote fiscal promoverá “mais igualdade” na aposentadoria dos militares, definindo uma idade mínima para a reserva e limitação de transferência de pensões.

Como promessa e mirando os supersalários, Haddad também sinalizou que irá ‘corrigir excessos’ para garantir que os agentes públicos fiquem sujeitos ao teto constitucional – que hoje é de pouco mais de R$ 44 mil mensais.

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