1994, para sempre (1)

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Cena 1: três senhores, de cabelos prateados, andares arrastados, vestindo ternos puídos e calças de tergal, caminham em ziguezague por ruas apertadas do centro do Rio de Janeiro conduzindo dois juiz-foranos para tomar uma Sopa Leão Veloso no restaurante Rio Minho. A dupla mineira estava tensa e ansiosa.

Cena 2: o imponente salão nobre do Palácio Capanema reunia o Conselho do poderoso Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IPBC). Notáveis da cultura brasileira como o empresário e bibliófilo José Mindlin, o antropólogo Gilberto Velho e o historiador Francisco Iglesias se voltavam para um parlatório, onde um representante de Juiz de Fora desfiava argumentos em defesa do tombamento federal de um importante prédio da cidade.

Cena 3: numa varanda de sua casa, no Itanhangá (RJ), Milton Nascimento é provocado pela jovem diretora, lembra-se de Juiz de Fora, olha para a câmera e diz que aquele teatro está “na emoção de todos nós”.

O que estes registros têm em comum, além de se situar há exatas três décadas? São histórias que convergem para uma das mais relevantes conquistas culturais de Juiz de Fora: a conversão do nosso incrível Cine-Theatro Central de um imóvel privado, abandonado e ameaçado, em um patrimônio público.

Os senhores da sopa famosa eram os três irmãos franco-judaicos Valansi, donos do cinema, que, entre uma colherada de sopa e outra, ouviam os meus argumentos e os do querido Serjão Evangelista. E começavam a se convencer de se desfazer do Central. O mais novo, com seus 70 e poucos anos, que parecia ser o tesoureiro do dia, chegou a tirar um volumoso maço de dinheiro em espécie do bolso do paletó desgastado e… dividir a conta do almoço.

Os guardiões do patrimônio do país não foram unânimes em aceitar minha defesa do tombamento do Central, cuja arquitetura eclética e nem tão antiga (um jovem prédio de 1929!) não se equiparava às nossas edificações barrocas do século XVIII. Mas o placar final assimilou a tese do “patrimônio afetivo e imaterial” e o tombamento foi aprovado. O Cine-Theatro Central tornava-se, portanto, um bem cultural não apenas de Juiz de Fora, mas do país.

Ao lado de Milton, uma série de grandes artistas brasileiros encararam as lentes da câmera de Márcia Barbosa, e nasceu um vídeo defendendo a proposta de que a casa de espetáculos deveria ser restaurada e gerida como um patrimônio público: Tom Jobim, Bibi Ferreira, Ney Matogrosso, Afonso Romano de Sant’Anna, MPB-4, Sueli Costa, João Bosco… Nascia a campanha “Central, a emoção de todos nós”.

O ano era 1994 e muita coisa iria se transformar na cena cultural de Juiz de Fora. A história da conquista do Central vai ter final feliz (alerta de spoiler!). Vai nascer uma lei, pioneira no país, de incentivo à cultura. Um impressionante acervo de artes do poeta Murilo Mendes vai cruzar o oceano e aportar na nossa cidade. Tudo isso neste ano mágico.

Peço licença ao leitor (e à editora) para seguir contando mais um cadinho destas histórias.

(Continua no próximo domingo…)

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